segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Banco de Textos - Renata Mizrahi

Renata Mizrahi

TEXTOS

AONDE VOCÊ PENSA QUE VAI?

De Renata Mizrahi

Baseado em Pluct Plac Zum de Raul Seixas

(que foi baseado em na carta de Pierre- Joseph Proud)

A primeira parte da cena, antes do CORTE, tem uma ar sombrio, clima estranho e misterioso.

Personagens

Betti- uma intelectual antiquada, como quem lê muito e não se preocupa com as aparência. Estilo militante marxista.

Severino- É o porteiro bem vestido, como se fosse um funcionário publico. Na primeira parte da cena, ele age como um robô comandado por forças superiores.

(Betti vai em direção à porta)

Betti: Boa tarde

(sai passando)

SEVERINO: Senhora Betti?

BETTI: Oi?

SEVERINO: Espere!

(Betti para)

SEVERINO: Aonde você pensa que vai?

Betti: Oi?

SEVERINO: Aonde você pensa que vai?

Betti:Ué, eu...

SEVERINO: Já assinou o regulamento?

Betti: Regulamento?

SEVERINO: São os novos procedimentos.

Betti: Novos?

SEVERINO: Procedimentos.

Betti: Procedimento de quê?

SEVERINO: Conduta.

Betti: Conduta de quê?

SEVERINO: Mudança de governo.

Betti: Quando?

SEVERINO: Hoje. De manhã.

Betti: Sério, mas...

SEVERINO: Não vai assinar?

(Betti pensa)

Betti: Não.

(Se dirige à porta mas uma é atingida por um campo magnético invisível e leva um choque)

Betti: Aiiiii!! O que é isso? O que tá acontecendo?

SEVERINO: São as normas. Sem assinar, não passa.

Betti: Normas? Que normas são essas? Quem colocou isso aqui? (encosta só o dedos e leva um choque) Aaaah! Me dá esse maldito regulamento.

(um alarme bem alto e incômodo é disparado)

Betti: Mas o que é isso?

SEVERINO: É uma advertência. Você não deveria chamar o regulamento de maldito. O regulamento. Aliás, a palavra “maldito” foi censurada.. “Maldito” não por ser mais dito. O regulamento. Se foque nele. É o único meio de fazer você passar para o outro lado. O regulamento . Ele não é maldito.

(tempo)

Betti: Onde é que eu tenho que assinar?

(entregando o regulamento)

SEVERINO: Em baixo.

(Betti recebe o regulamento e lê)

Betti: Acho que você me deu o papel errado... Deve ser um engano. Tá escrito que “O novo governo tem o direito de observar, inspecionar, espionar, dirigir, legislar, regulamentar, cercar, doutrinar, admoestar, controlar, avaliar, censurar, comandar...” (para SEVERINO, ri) Piadinha infame.

(alarme)

SEVERINO: A palavra“infame” foi censurada.

(Betti ri)

Betti: Censurada? Que engraçado. Acabou a piada. (vai embora) Com licença.

(mais uma vez não consegue passar e leva um choque)

Betti: Vamos parar com essa palhaçada!

(alarme)

Betti: Aaaaiii!

SEVERINO: É só assinar o regulamento.

Betti: Mas isso é ridículo!(lê) “ O governado terá todo movimento do corpo, voz, ação e reação anotado, registrado, catalogado, taxado, selado, avaliado, patenteado, licenciado, autorizado, recomendado ou desaconselhado, frustrado, reformado, endireitado, corrigido. Submeter-se ao governo significa consentir em ser tributado, treinado, redimido, explorado, monopolizado, extorquido, pressionado, mistificado, roubado; tudo isso em nome da utilidade pública e do bem comum.”

(tempo. Betti ri perplexa )

Betti: Ah, já sei! Estamos na pegadinha! (ri) É uma pegadinha! cadê as câmeras? (Para de rir). Ok, caí na pegadinha. Foi!

(Severino, sério. tempo)

Betti: Tá bom. Se eu assinar isso aí, eu vou poder passar?

SEVERINO: Em baixo, por favor.

Betti: Está certo. Palha... (o alarme apita rapidamente, Betti para de continuar a palavra)

(Betti vai assinar , mas não consegue)

Betti: Seu Severino, eu só tô querendo sair do meu prédio. Eu só quero ir à padaria. Eu não tenho que assinar regulamento nenhum pra sair do meu prédio. Meu prédio. Você é apenas um porteiro. Quem você pena que é pra me dizer que eu tenho que assinar regulamento? Foda-se o regulamento!

(O alarme toca MUITO alto. Alguém coloca uma coleira no pescoço de Betti)

Betti: Aaaaahhhh! Foda-se!

( o alarme toca novamente)

Betti: Aaaah! Não posso dizer foda-se!

SEVERINO : É o regulamento! O regulamento!

(Alarme e choque, ela tem uma grande convulsão)

Betti: Isso é um inferno! Um inferno! Não quero mais morar aquiiiiii!

CORTE

(Betti está na mesma posição do início da cena, em frente a porta da portaria em transe. Tudo está diferente, clima normal de uma portaria. Percebemos que a vcena anterior foi um delírio da cabeça de Betti)

Severino: Senhora Betti! O novo regulamento. Precisa assinar.

Betti: (neurótica) Assinar? Assinar o quê? Assinar o que?

Severino: Desculpe, a senhora se quiser, tudo bem? Era só par saber se concorda em com a TV a cabo coletiva...

Betti: TV à cabo?

Severino: Coletiva.

Betti: TV a cabo coletiva?

Severino: Sim, é um regulamento para o precedimento de instalação da TV a Cabo Coletiva.

Betti: (entende tudo, drama)Ah, meu Deus!

Severino: Tá tudo bem com a senhora?

Betti: (dramática) Eu não posso assinar!

Severino: Sem problemas, não há problemas nisso

Betti: (dramática) Eu não tenho nem televisão.

Severino: Não há nenhum problema nisso também.

(Betti vai cautelosamente até a porta e verifica se não dá choque. Severino olha sem entender.)

Betti:Não tem mais choque. Eu posso passar! Eu posso! Eu posso! Viva!

Severino: A senhora está mesmo bem?

Betti: Maldito!

Severino: Oi?

(Betti fica feliz que o alarme não tocou)

Betti: Tá vendo ?Palhaçada.

(Betti fica feliz que o alarme não tocou)

Severino: Senhora...

Betti: Foda-se! (tempo. Betti feliz que o alarme não tocou) Foda-se! Foda-se!

Severino: Mas o que eu fiz pra senhora falar assim comigo?

(betti avança saltitante para a porta, cai um livro de bolsa. Ela pega e lê. Tem um insight. Recua)

Betti: Espera! Eu assino. Eu assino. Eu vou assinar. TV à Cabo, porque não? É uma boa hora para começar a ver televisão. Sim, eu vou ver televisão! Muita televisão! (olha o livro, lê a capa) “Pierre-Joseph Proud...” Preciso parar de ler esses anarquistas urgente. Urgente!Aonde eu assino?

Severino: (completamente ch0cado) Em baixo.

(Enquanto ela assina, ouvimos o refrão da musica Pluct Plac Zoom: “tem que ser selado, carimbado, rotulado, registrado....”)

FIM

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A PRIMEIRA VEZ QUE ELA DISSE “EU TE AMO”

de Renata Mizrahi

Baseada na música – Todo amor que houver nessa vida- de Cazuza

Cris: Olha Pedro, melhor a gente não avançar com essa história.

Pedro: É?

Cris: Eu já tô vendo que não vai dar certo.

Pedro: É?

Cris: É. Não vai dar certo, a gente é muito diferente.

Pedro: É?

Cris: Você não vê isso? É tão claro, é tão óbvio.

Pedro: É?

Cris: Claro, evidente, óbvio.

Pedro: É?

Cris: Pra começar você é um cara da noite. Adora ficar horas em um bar bebendo sem hora pra sair, depois vagar pelas ruas desertas da cidade, sem nenhum medo. Eu não. Eu sou do dia. Não bebo, adoro acordar cedo, ver o sol, passear, entende? Isso pode ser um problema nas nossas vidas, você não acha?

Pedro: É?

Cris: Você fala tudo o que pensa, não tem papas na língua. Eu não. Eu me preocupo com o que vou dizer. Eu acho que a gente deve ter cuidado com as palavras. Acho mesmo. Isso pode ser um problema nas nossas vidas, você não acha?

Pedro: É?

Cris: E tem uma coisa importante. Você morre de medo de elevador. Eu moro no décimo andar! E agora? Como a gente vai fazer? Isso vai ser um problemas nas nossas vidas, você não acha?

Pedro: É?

Cris: Você, Pedro, é formado em filosofia. Filosofia , entende? É muito cabeça pra mim. Tudo bem que estudo letras. Mas é diferente. As minhas histórias são diferentes de seus discursos, entende?

Isso pode ser um problema nas nossas vidas, você não acha?

Pedro: É?

Cris: Ah! Tem outra coisa muito importante. Muito mesmo. Eu sei que você é louco pelo mar, eu sei que seu sonho é ter uma casa em frente à praia. Mas e a minha casinha nas montanhas. Estrategicamente perto das cachoeiras. Cachoeiras, tá entendendo? Você ama o mar e eu tenho uma casinha nas montanhas. Isso pode ser um problema nas nossas vidas, você não acha?

Pedro: É?

Cris: agora, isso é muito sério. Você foi ca-sa-do! Você teve uma esposa, uma mulher, que morou com você por um tempo. E eu só tive namorados. São experiências muito diferentes, entende? Isso pode ser um problema nas nossas vidas, você não acha?

Pedro: É?

Cris: E para completar, você tem uma vida muito mais tranquila que a minha. Eu até te invejo o jeito que você leva a vida. Você medita, isso é incrível. Eu invejo pessoas que meditam. Porque eu eu, eu Pedro, não tenho tempo pra nada. Entendeu isso? Minha vida é frenética, eu estudo, trabalho, trabalho e estudo. E não consigo ficar sem fazer nada por menos de cinco minutos. Sou frenética, frenética, frenética! Isso pode ser um problema nas nossas vidas, você não acha?

Pedro: É?

(tempo. Cris com pesar)

Cris: É.

(silencio)

Pedro: É. (Tempo) Eu entendo você.

Cris: (decepcionada) É?

Pedro: Eu entendo a sua preocupação.

Cris: É?

Pedro: Eu também andei pensando sobre a gente. Sobre tudo isso aí que você falou.

Cris: É?

Pedro: Em como pode ser legal, eu acordar mais cedo pra você me levar para fazer um monte de passeios durante o dia e eu te mostrar como a cidade pode ser linda de noite, entre bares, músicas, e gente de todos os tipos.

Cris: É?

Pedro: Eu adoraria aprender a ter a sua delicadeza. Pra deixar meu modo de falar com as pessoas mais sofisticado, mas cuidadoso, como você mesma diz. Eu me espelharia em você, e você poderia aprender comigo a falar mais o que sente, o que pensa com os outros. Não deixarem as pessoas se aproveitarem da sua delicadeza e saber se colocar mais.

Cris: É?

Pedro: E é verdade. Eu morro de medo de elevador. Não sei o que acontece comigo. Só de pensar começa a dar brotoeja. Deve ser algum trauma de infância , sei lá. Mas só de saber que dez andares dentro daquela caixa pequena, significam você abrir a porta do seu apartamento pra mim e a gente passar uma noite maravilhosa juntos, eu encaro meu medo. (ri) O meu medo vira fichinha. Nada pode ser tão melhor que pegar o elevador pra te ver.

Cris: É?

Pedro: Eu adoro ficar filosofando pra você, aos quatro cantos e a gente conversar até não poder mais. E eu fico louco de alegria ao ver seus olhinhos brilhando quando você me conta uma história, um conto que você tá lendo, sua paixão pelas histórias, pelo ser humano. Meu discurso te inspira, suas histórias me apaixonam.

Cris : É?

Pedro: E fiquei pensando de eu te levar pra conhecer a melhores praias desse país, numa viagem linda pelo litoral, e você poderia me mostrar a serra. Eu adoraria conhecer sua casinha, deitados na rede comendo fruta fresca e nadando no rio.

Cris: É?

Pedro: E eu não cometeria os mesmo erros que cometi no casamento com você. Porque se tem uma coisa importante que aconteceu, é que eu pude me conhecer melhor, e isso pra mim é fundamental para construir uma relação. Eu tenho certeza que você deve ter crescido muito nos seus relacionamentos. Essa união de experiencia ia fazer da gente um casal incrível.

Cris: É?

Pedro: E eu acho o máximo essa sua dedicação frenética aos seus projetos pessoais, aos seus empreendimentos. Isso me ajuda com os meus projetos que também quero realizar. Eu poderia te ensinar a meditar pra te ajudar a ficar menos ansiosa. A gente poderia se dar bem nisso.

Cris: É?

Pedro: É. (tempo) Mas eu entendo que isso pode ser só uma idealização minha. Eu entendo o que você falou, o seu medo. E te respeito e não quero ser um problema na sua vida. Como você mesma disse, nossas diferenças são claras, óbvias e evidentes.

Cris: É?

Pedro: Bom, então eu acho melhor eu ir, né? É melhor, eu acho... (tempo) É... Então... Tchau.

(ele vai saindo)

Cris: Pedro!

(ele s evira pra ela)

Cris: Eu te amo.

(eles correm um na direção do outro e se beijam)

FIM

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TANTO QUERER

De Renata Mizrahi

baseada na música: O quereres – de caetano veloso

Personagens: Um casal- Bia e Rô

BIA: Rô? Hoje a gente faz 1 que a gente tá junto.

RÔ: Eu sei. Um ano de harmonia.

BIA: A gente podia sair pra comemorar.

RÔ: Vamos no Bar do Oswaldo.

BIA: Ah, não! O Bar do Oswaldo não. Vamos fazer alguma coisa diferente. Algo excitante que tira a gente do sério. Vamos … vamos... (ela pega um arma)

RÔ: O que é isso, Bia, tá doida?

BIA: (excitada) É de brinquedo, é de brinquedo!Vamos fingir que eu sou a bandida e você é o mocinho. Vamos a passar a noite como se estivéssemos em um filme pornô do faroeste.

RÔ: Não, Bia. Não inventa. Vamos no bar do Oswaldo, comer o Frango à cubana de sempre e ponto.

Corte

BIA: Rô? Hoje faz 2 anos que estamos juntos.

RÔ: Eu sei. Dois anos de harmonia. O que você quer fazer?

BIA: A gente podia fazer uma extravagância.

RÔ: (com tesão) É... que extravagância?

BIA; Que tal uma noite no Copacabana Palace? Com tudo o que tem direito?

RÔ: Pra quê? (excitado) Vamos passar uma noite aqui e agora, aqui no chão mesmo...

BIA: No chão! Você é tão pouco romântico!

Corte

BIA: (tédio) Rô? Hoje faz 3 anos que estamos juntos

RÔ: Eu sei. 3 anos de harmonia. O que você quer fazer?

BIA: Nada?

RÔ: Nada? Agora que eu sou diretor geral e posso te dar o que você quiser, você não quer nada?

BIA: Quero voltar a trabalhar.

RÔ: Já falamos que você não precisa ficar exausta, eu posso te dar tudo. O que você quer?

(tédio) Nada...

Corte

BIA: (animada) Rô? Hoje faz 4 anos que a gente tá junto!

RÔ: Eu sei. 4 anos de harmonia.

BIA: Vamos viajar pra comemorar?

RÔ; Viajar?

BIA: É. Vamos para um lugar diferente, exótico... Himalaia! Vamos subir uma montanha do Himalaia

RÔ; Tá doida, Bia? Subir montanha do Himalaia? Esqueceu do meu trabalho? Eu não posso viajar assim. To cheio de coisa pra fazer. Ainda mais com o risco de não voltar. Himalaia... Imagina!

BIA: Mas..

RÔ: Sem chances.

Corte

BIA: Rô? Hoje faz 5 anos que estamos juntos

RÔ:Eu sei. 5 anos de harmonia. Que tal acamparmos numa ilha deserta?

BIA: Não posso. Acabei de conseguir um trabalho.

Corte

RÔ: 6 anos de harmonia.

BIA: Quem sabe agora? (faz um gesto de barriga de gravida) Hein?

RÔ: Não, meu amor. A gente ainda tem muita coisa pra fazer antes de passo.

BIA: Tipo o quê?

RÔ: (procura as palavras) Aquele curso de origami.

Corte

BIA: Vamos andar na praia

RÔ: To mais pra shopping hoje.

Corte

BIA: Que tal nos mudarmos pro Lebon.

RÔ; Pensei em pernambuco.

BIA: Nordeste?

RÔ: Por que não?

Corte

BIA: Você deu em cima da minha amiga?

RÔ: Viu o tamanho daquele decote.?


Corte

BIA: (romântica)Você gosta de mim?

RÔ: Talvez.

BIA: O quê?!

RÔ: To brincando!

Corte

BIA: (tesão)Vamos transar?

RÔ: (sereno)Primeiro você tem que terminar seu trabalho.


Corte

BIA: To louca pra comer uma carne

RÔ: Sério? Acabei de preparar um prato vegetariano.

Corte

BIA: Vai lá, Rô! Revida! Ele te agrediu do nada! Não deixa barato.

RÔ: Não... eu já me resolvi internamente.

Corte

BIA: Faz carinho? (ele dá um tapa na bunda dela) Ai!


Corte

(terminando de recitar uma poesia)

BIA: “… ao acaso, ao amor, ao tempo, ven-to!” Demais, né?

(blasé) É...

Corte

BIA: Eu tô com tantas questões, é tão subjetivo, tão complexo... Eu ando tão não sabendo de nada! Essa dúvida! Eu não sei! Eu não sei! Não sei! Não sei! Me ajuda? Você me entende?

(silêncio)

Corte

BIA: (manhosa) Vem cá!

RÔ: (grosso)Chata!

BIA: (violenta)Me bate, então!

RÔ: (blasé) Sem dramas

BIA: Grita comigo!

RÔ: Nunca!

(eles dançam um tango, ou um tipo de uma dança forte, entre tapas e beijos, dor e amor)

BIA: Eu te quero!

RÔ; Eu não te quero agora!

BIA; Não?

RÔ: Mentira, te quero agora.

BIA: Mas agora eu não!

RÔ: Por quê?

BIA: Me dá a lua primeiro.

RÔ: Só tenho o sol.

BIA: Ei quero descanso de janeiro.

RÔ: Prefiro o caos do carnaval

BIA: Eu quero ir embora.

RÔ: Eu te quero mal.

BIA: Eu vou embora então.

RÔ: E eu te quero bem.

BIA; Me solta.

RÔ: Eu te amo.

BIA: Tanto tempo juntos

RÔ: Quanta harmonia.

BIA: Adeus.

RÔ: E eu te quero sem fim.

BIA: Mesmo eu querendo tudo?

RÔ: Até o que não há em mim.

(Se beijam.)

FIM

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Feliz aniversário

de Renata Mizrahi

Cantor: da semana: Roberto Carlos

Ela: Meu amor? Parece que foi ontem quando a gente se conheceu. Lembra? Eu tava toda suja, descabelada naquele temporal.

Ele: Temporal? Não foi na praia?

Ela: Praia? Não! Lembra? Eu tava no meio da rua chorando porque o meu sapato tinha saído do pé e você me pegou no colo.

Ele: No colo? Eu me lembro que a Carlinha me apresentou pra você.

Ela: Carlinha?

Ele: É, a sua melhor amiga.

Ela: Meu amor, eu nunca tive uma amiga chamada Carlinha e muito menos melhor amiga.

(silêncio)

Ele: Então...

Ela: Essa história não foi comigo, foi com outra! Você tá confundindo tudo!

Ele: Meu Deus! Verdade! Desculpa. Essa história foi com a Marcela...

Ela: Não fala o nome da sua ex!

Ele: Foi mal. Mas...peraí! Eu não me lembro de nenhuma chuva, nenhum temporal, nem ter te carregado no colo.

Ela: Como não? Eu me lembro bem. Você me disse que aquilo tudo parecia um sonho. Que era uma honra me carregar no colo.

Ele: Caramba, eu não to conseguindo lembrar...

Ela: Não lembra? Você se apresentou como Totonho...

Ele: Totonho?

Ela: (percebe que falou besteira) Deixa pra lá.

Ele: Eu nunca me apresentei como Totonho pra ninguém.

Ela: Deixa pra lá. Esquece.

Ele: Esquece? Quem é Totonho?

Ela: Ninguém.

Ele: Como ninguém? Um cara chamado Totonho te pegou no colo no meio do temporal e você me diz que não é ninguém?

Ela: Ninguém importante.

Ele: Tá vendo? Você também tá me confundindo com outro cara!

Ela: Desculpa. Na minha memória esse cara era você. Que nem você me confundiu com a ex na praia.

Ele: Que triste.

Ela: Pois é...

(silêncio- os dois estão tristes)

Ela: Meu amor?

Ele: Oi.

Ela: Como foi então que a gente se conheceu?

Ele: Eu tô tentando me lembrar.

Ela: Eu também.

(tempo. Eles tentam lembrar)

Ele: No cinema?

Ela: Não.

Ele: É verdade. No cinema foi com a Débora.

Ela: Na festa do Carlos?

Ele: Quem é Carlos?

Ela: Então não foi.

(tempo. Eles pensam)

Ele: Ah!

Ela: Lembrou?

Ele : (desiste) Não, não... Tava pensando na minha mãe.

(Ela desanima)

Ela: Ah!

Ele: Aonde?

Ela: Não... lembrei que eu tenho que pagar uma conta.

(Eles desanimam)

Ele: É... tá difícil.

Ela: Felipe?

Ele: Felipe? Quem é Felipe? (ele fica muito assustade)

Ela: Brincadeira! Agora foi brincadeira!

(Ela ri)

Ele: Adoro quando você ri assim, Val?

Ela: Val? Quem é Val?

(Ele ri. Ea percebe a brincadeira e ri também. Eles se olham)

Ele: Sabe de uma coisa? Dane-se essas convenções da memória.

Ela: É. Dane-se!

Ele: E se a gente inventasse a história do nosso encontro?

Ela: Invetasse?

Ele: É! Uma história incrível, melhor que de cinema, quase impossível. Assim nenhuma outra que já vivemos poderia ser tão melhor que essa.

(tempo)

Ela: Posso começar?

Ele: Vai.

Ela: Então. A gente se conheceu num por do sol no sul do Chile. Era inverno.

Ele: Inverno.

Ela: Estava frio...

Ele: Muito frio.

Ela: Eu tava a passeio...

Ele: E eu fazendo intercâmbio.

Ela: É! Eu estava assustada porque tava meio perdida...

Ele: E você me pediu informação.

Ela: Em castelhano.

Ele: Mas você não sabia falar nada.

Ela: E nem sabia que você era brasileiro.

Ele: Então eu comecei a rir do seu jeito atrapalhado.

Ela: E eu acabei falando alguma coisa em português.

Ele: Então eu descobri que você era brasileira.

Ela: E você me ajudou a me localizar.

Ele: E passamos a tarde juntos.

Ela: Em frente as montanhas.

Ela: E fomos tomar um vinho num lugar lindo

Ele: Que tocava Roberto Carlos.

Ela: Roberto Carlos?

Ele: É! Roberto Carlos. Aquela...

(ela canta)

Ela: “De que vale o céu, a lua e o sol sempre a brilhar”

Ele: Isso! Era essa a musica.

(os dois cantam)

Ele e Ela: Se você não vem e eu estou a lhe esperar/ só tenho você/ no meu pensamento...

(eles dançam juntos )

Ele e Ela: e a sua ausência, é todo meu tormento.

Ele: (ri) Meu Deus, tava tocando Roberto Carlos. No Chile, ali!

Ela: E você me disse que meu sorriso era lindo.

Ele: E você me disse que nunca se sentiu tão a vontade com alguém.

Ela: E você me tirou pra dançar.

Ele: E a música acabou, mas continuamos dançando.

Ela: E você disse que não queria mais se separar de mim.

Ele: E você disse que seu coração tava disparado.

Ela: E você me beijou.

Ele: E você me disse que isso parecia um sonho.

Ela: E você disse que aquele momento era tão bom, que a gente ia lembrar em toda ocasião muito especial.

Ele: E que a gente ia fingir que esqueceu, só pra quebrar a seriedade.

Ela: Mas que depois da brincadeira a gente ia relembrar e pegar a foto que marcou esse encontro.

(Ela pega a foto)

Ele: (vendo a foto) Pra nunca deixar de valorizar o que nos uniu.

Ela: E dane- se o que os outros pensam da gente.

Ele: Dane-se!

Ela: Parabéns!

Ela: Feliz aniversário de namoro!

(Eles se beijam. A música toca de verdade no refrão “ eu só quero que você...”)

FIM


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NAS ALTURAS

De: Renata Mizrahi

matéria: rapaz mais alto do mundo quer namorada

Personagens:
Giga
Lúcia


Sugestão de montagem. O ator que faz Giga pode ficar atras dos cubos montados durante toda a cena para dar ideia de que é enorme e só mostra o tronco. Os atores estariam vestidos com roupas básicas , mudando apenas os acessórios que dão a ideia de que o tempo passou. A passagem de tempo pode ser também através de música, se quiser.
De repente a cortina pode estar fechada , deixando no centro só o muro de cubos para dar ideia de continuidade do espaço e a atriz contracena com ele na frente. Obs.: são apenas sugestões da autora. O diretor e o atores podem acatar ou não. Façam o que achar melhor... beijos, Re


Cena 1

(Uma garota de 7 anos. Ela vai pegar uma bola no quintal. Quando tá saindo. Escuta a voz de Giga, um menino de 7 anos que atrás do muro. Vemos apenas a sua cabeça ou seu tronco.)

GIGA: Oi.
LÚCIA: Ai, que susto! Não tinha te visto.
GIGA: Foi mal.
LÚCIA: Uau! Como é que você conseguiu subir aí?
GIGA: Ah, eu consigo.
LÚCIA: Meu pai disse que é muito perigoso.
GIGA: Pra mim não.
LÚCIA: Meu pai me fez prometer que eu nunca, nunquinha ia tentar subir.
GIGA: Pra mim é fácil.
LÚCIA: Uau. Você é bem corajoso. Por que eu nunca te vi por aqui?
GIGA: Eu acabei de me mudar.
LÚCIA: Jura? Você é meu novo vizinho? Oba! A moradora antiga era uma chata. Qual é o seu nome?
GIGA: Gilberto. Mas todo mundo me chama de Giga.
LÚCIA: Gostei. Giga! É bonito. O meu é Lúcia, mas todo mundo em chama de Luluzinha.
GIGA: Que nem a personagem dos quadrinhos?
LÚCIA: Você gosta?
GIGA: Adoro!
LÚCIA: Eu também. Tenho toda a coleção.
GIGA: Sério?
LÚCIA: Sério! Se quiser eu posso te emprestar. (Voz de fora)
Voz de fora: (cortando) Luluzinha, cadê você? Vem cantar o parabéns.
LÚCIA: Ih, é a minha mãe. Eu tenho que ir . É meu aniversário.
GIGA: Parabéns.

(Ela vai saindo, mas volta)

LÚCIA: Você quer vir?
GIGA: Eu não posso.
LÚCIA: Por quê?
GIGA: É que os meus pais não gostam que eu saia de casa.
LÚCIA: Por quê?
GIGA: Eles dizem que é pra me proteger do mal de fora.
LÚCIA: Puxa, eu sou o mal de fora?
GIGA: Eu acho que não.
LÚCIA: Então vem.
Voz: Luluzinha, tá todo mundo te esperando.
LÚCIA: Eu tenho que ir. (pausa) Tchau.
GIGA: Tchau.

(Ela sai. Ele sorri)

CENA 2

( LÚCIA está com 11 anos. Jeito pré- adolescente. Giga também.. LÚCIA mostra uma coreografia de street dance pra ele. Ela canta uma dessas canções das cantoras adolescentes. O número termina)

LÚCIA: E aí? O que achou?

(tempo)

GIGA: É...
LÚCIA: “É” o quê?
GIGA: É que eu acho essas coreografias todas iguais. Sei lá...
LÚCIA: Mas você gosta ou não gosta?
GIGA: Você podia mexer menos o cabelo. Assim dá pra ver seu rosto.
LÚCIA: Ah, Giga! O cabelo é a melhor parte. Mostra o charme.
GIGA: Charme? Tá mais pra desespero.
LÚCIA: Você não entende nada.
GIGA: Você é que pediu a minha opinião.
LÚCIA: Claro, você é meu melhor amigo.
GIGA: É mesmo?
LÚCIA: Esquece.
GIGA: Por quê?
LÚCIA: Porque você não merece ser o meu melhor amigo.
GIGA: Por quê?
LÚCIA: Dãããã! você sabe muito bem por que, não se faz de sonso.
GIGA: Eu já disse que eu não posso.
LÚCIA: Eu não entendo.
GIGA: São meus pais!
LÚCIA: Eu vou falar com eles.
GIGA: Não vai não. Eles são muito sinistros. De noite eles se transformam em mortos vivos e vão te aterrorizar pro resto da vida.
LÚCIA: Ai, Giga, que lezado!
GIGA: Eu tava tentando de fazer rir.
LÚCIA: Eu não entendo o que é que seus pais tem contra mim. Será que eles não percebem que não existe mal nenhum em mim?
GIGA: Não é só com você .
LÚCIA: Seus pais são loucos e você devia fugir.
GIGA: Eu não posso...
LÚCIA: Quer fugir pra minha casa?
GIGA: Não dá.
LÚCIA: Por que não dá?
GIGA: Um dia eu te conto.
LÚCIA: Um dia quando?
GIGA: Um dia. Dança mais.
LÚCIA: Desce aqui.
GIGA: Não, Lu.
LÚCIA: Eu quero te ver de perto.
GIGA: Não dá.
LÚCIA: Quer saber? Você não é mais meu melhor amigo. De agora em diante você é meu inimigo!

(sai)

GIGA: Lu!!!

CENA 3

LÚCIA e GIGA com 15 anos. Ela tá sentada, encostada no muro. Os dois olham para o sol.

LÚCIA: Uau! Esse por do sol tá incrível.
GIGA: Parece até que a gente tá voando.
LÚCIA: Giga?
GIGA: Oi?
LÚCIA: Fala aquela letra de novo?
GIGA: De novo?
LÚCIA: Acho irada!
GIGA: O amor é real, realidade é amor
O amor é sentir, sentindo amor
Amar é querer ser amado
Amar é toque, tocar é amor
Amar é alcançar, alcançando amor
Amar é pedir para ser amado
Amor é você
Você e eu
Amor é saber
Que nós podemos ser
Amor é livre, livre é o amor
Amar é viver, vivendo amor
Amar é precisar ser amado
LÚCIA: Genial.
GIGA: John Lenon é o cara.
LÚCIA: É o cara. (silencio) ih! O sol tá sumindo.

(os dois aplaudem para o sol)



CENA 4

(Lu com uns 17/18 anos. Giga também. Ela entra falando num celular)

LÚCIA: Tá. Formou! Beijooooooo (desliga. Para Giga. Muito empolgada) Giga!!! ele vai passar aqui pra me buscar. Aaaaah! Meu deus! Meu deus! Eu tô bonita?
GIGA: Linda. Como sempre.
LÚCIA: Ai, não sei... não acha que eu to com muita espinha?
GIGA: Bom, daqui não da pra ver nada.
LÚCIA: Daí não, mas de pertinho...
GIGA: Vocês vão se ver de pertinho?
LÚCIA: Ué, claro!
GIGA: Muito pertinho?
LÚCIA: Helooo, Giga! Que mundo que você vive? Quando você vai beijar uma garota precisa fazer o quê? Chegar perto dela, encostra seu lábio no dela , colocar a língua... espera aí... você nunca beijou uma garota.

(silencio)

LÚCIA: Putz! Nunca beijou.

(silencio)

LÚCIA: Nem um selinho?
GIGA: Eu sou um pouco tímido.
LÚCIA: É uma pena. Você é tão bonitinho.
GIGA: (animado) Você acha?
LÚCIA: Acho... quer dizer, daqui de baixo, né? Eu nunca te vi de perto. Nem do tronco pra baixo. Vai que você tem perna de vara pau...
GIGA: Eu não tenho perna de vara pau.
LÚCIA: Não? Deixa eu ver.
GIGA: Deixa pra lá.
LÚCIA: Eu acho que você tem é medo de mim.
GIGA: Claro que não.
LÚCIA: Tem, tem medo de mim.
GIGA: Eu não tenho medo de você.
LÚCIA: Tem sim. Sempre teve.
GIGA: É que os pais meus disseram...
LÚCIA: Caraca! Sempre seus pais! Tá na hora de crescer!

(tempo)

GIGA: Esse é o problema.
LÚCIA: Eu tenho vontade de matar seus pais. (pausa) desculpa.
GIGA: Não, tudo bem.
LÚCIA: Pensa que eu não sei que tem pais malucos e pirados por aí?
GIGA: Não são eles . Sou eu. Eu é que prefiro não sair de casa.
LÚCIA: Ah, tá. Vai me dizer que nesses anos todos, você nunca quis passar desse muro e almoçar comigo sempre que eu te convidei? Ou ver minha coleção de quadrinhos, ou ouvir música. Não precisa proteger seus pais não...
GIGA: Não é isso, Lu é que...

(buzina de carro)

LÚCIA: Ih! O Rafa chegou. (empolgada) “Amor é livre, livre é o amor. Amar é viver, vivendo amor. Amar é precisar ser amado”.
GIGA: Não fala essa canção!
LÚCIA: Por quê?
GIGA: Ela não foi feita pra falar assim dessa maneira.
LÚCIA: Que maneira? (buzina) Eu tenho que ir, Giga. Mas ó, sai de cima do muro! Tchau!!

(Sai correndo. Ele fica com ciúmes esperando ela voltar.
Tempo. Ela volta chorando e magoada)

GIGA: Que foi Lu?
LÚCIA: Ai, que susto, eu não sabia que você ainda tava aí.
GIGA: Eu queria saber se você ia chegar bem em casa.
LÚCIA: Ah, você queria saber? Então vem aqui pra ver se eu cheguei bem, vem?

(tempo)

GIGA: Eu não posso.
LÚCIA: “ Eu não posso”. Você nunca pode! Eu já sabia. Homens.
GIGA: Que é que esse cara fez pra te deixar assim?
LÚCIA: O que interessa? Você vai sair daí e me defender? Hein? Vai?

(silêncio)

LÚCIA: Boa noite.

(ela vai saindo)

GIGA: Espera!

(ela para)

LÚCIA: O que foi?
GIGA: Sobe aqui!
LÚCIA: Oi?
GIGA: Sobe aqui. Eu preciso te mostrar uma coisa.
LÚCIA: Oi?
GIGA: Pega uma escada.
LÚCIA: Ai, Giga, que saco! (ela pega uma escada e sobe) E aí?
GIGA: Nossa você é mais linda de perto.
LÚCIA: (descendo) Ah, foi pra isso que...
GIGA: Espera. Olha pra mim.
LÚCIA: Tô olhando!
GIGA: Olha pra mim inteiro.

(ela estica o pescoço para olha-lo do outro lado do muro olha e se assusta)

LÚCIA: Aaaaah!!! Giga! Você é … giga! Um monstro! (desce)
GIGA: Calma, Lu! Eu não sou um monstro. Eu sou só um pouco alto demais. Tallvez o cara mais alto do mundo...
LÚCIA: Por que você nunca me falou?
GIGA: Pra não ter que ouvir você me chamar de monstro. Eu só cresci demais e morro de vergonha.
LÚCIA: Então você mentiu pra mim todo esse tempo. Essa história dos pais...
GIGA: Eu inventei...
LÚCIA: Você é maluco! Ridículo. Doente! Nunca mais, ouviu Nunca mais eu quero te ver!
GIGA: Lu, eu só escondi isso porque eu tinha medo de você ...
LÚCIA Eu odeio você, Giga! Some da minha vida! Eu odeio você!
GIGA: De você reagir assim...

(ela sai. Tempo. Ele triste vai embora)

CENA 6

Passagem de tempo.


(Lu, sozinha, em cima da escada na frente do muro esperando por ele. Ideia de que ela já está ali há bastante tempo)

LÚCIA: Giga! Não adianta! Eu não vou sair enquanto você não aparecer! (pausa) Eu até gosto de homens altos. De homens bem alto. BEM altos. (pausa) Tá bom. Eu espero mais seis horinhas. Se em seis horinhas você não aparecer eu vou embora e você nunca mais vai me ver... Giga! Gigaaaaa! (pausa) Eu achei que você me amasse... talvez eu até te ame... Só talvez.(tempo) Eu já me acostumei com a escada! Giga... volta.... me perdoa... (tempo) aquele papo de amor todo é tudo furado. “O amor é real, realidade é amor
O amor é sentir, sentindo amor
Amar é querer ser amado
Amar é toque, tocar é amor.
Amar é alcançar, alcançando amor
Amar é pedir para ser amado

(ele aparece completando a letra. Ela fica muito feliz)

GIGA: Amor é você
Você e eu
Amor é saber
Que nós podemos ser
Amor é livre, livre é o amor
Amar é viver, vivendo amor
Amar é precisar ser amado

(entra a música LOVE de Jonh Lenon. Eles se olham no silêncio.

LÚCIA: Me perdo...

(Ele a beija. Música aumenta. Luz cai bem devagar em resistência)

FIM.

______________________________

ISSO FOI APENAS UMA CENA CURTA
ou
TUDO, MENOS GRATIFICANTE

De Renata Mizrahi

Matéria: casos graves de acnes aumentam os riscos de suicídio

(O casal está em harmonia. Constantemente se olham amigavelmente fazendo gestos de cordialidade. No silêncio, são extremamente gentis um com outro. Bebem vinho)

Regina: Eu fico muto feliz que a gente tenha conseguido finalmente chegar a essa harmonia.

Luíz: Eu também.

Regina: Mais vinho?

Luíz: Um pouco.

(ela o serve)

Regina: É muito bom concordarmos um com o outro dessa forma.

Luíz: Muito bom.

Regina: Sem ser como esses casais.

Luíz: Sem ser como todos os casais que passam por isso.

Regina: Todos, menos nós.

Luíz: Então, quase todos.

Regina: Isso. Quase todos.

Luíz: Mais vinho?

Regina: Um pouco.

(ele a serve)

Regina: (respira fundo) Hm... como é bom...

Luíz: O quê?

Regina: Respirar. Já parou para pensar nisso? Como é bom respirar.

(ele respira fundo)

Luíz: Realmente é muito bom. Respirar.

(os dois respiram)

Luíz: Nós estamos respirando.

Regina: Sim, finalmente. Estamos respirando. Mais vinho?

Luíz: Um pouco.

(ela o serve)

Regina: Sabe? Eu estou realmente feliz.

Luíz: Feliz?

Regina: Sim. Em poder passar por isso desse jeito.

Luíz: Você quer dizer, leve.

Regina: Pode ser. Leve. Você se sente leve?

Luíz: Como uma pena. Mais vinho?

Regina: Um pouco.

(ele a serve)

Regina: Como uma pena. Gostei. Nós somos diferentes.

Luíz: Ainda bem.

Regina: Eu sinto que somos uma espécie de evolução social.

Luíz: Você sente?

Regina: Você não?

Luíz: Pode ser. Talvez vez você esteja querendo dizer que não fazemos parte das porcentagens.

Regina: Isso. Das cotas.

Luíz: Status quo.

Regina: Estatísticas.

Luíz: Não mesmo.

Regina: Não. Mais vinho?

Luíz: Um pouco.

(ela o serve)

Regina: Não mesmo.

Luíz: Não. Mais vinho?

Regina: Um pouco.

(ele a serve)

Regina: Como é bom ter paz quando o momento pede guerra.

Luíz: Gostei.

Regina: Do quê?

Luíz: Dessa frase. Como é bom ter paz quando o momento pede guerra. Parece nome de peça.

Regina: Peça?

Luíz: Peça curta. Cena.

Regina: Tipo esquete?

Luíz: Isso, esquete. Cena curta.

Regina: Como se isso fosse uma cena?

Luiz: Não, não! Não que estejamos fazendo uma cena.

Regina: Não, imagina. Mais vinho?

Luíz: Um pouco.

(ela o serve)

Luíz: Não se deve fazer cena quando o momento é a própria dose de realidade. Aí, mais um nome. Mais vinho?

Regina: Um pouco.

(ele a serve. Tempo de silêncio)

Luíz: Nossa última refeição.

Regina: O último vinho juntos.

Luíz: Um brinde aos últimos momentos.

(brindam. Bebem mais. silêncio)

Regina: O último momento... Quem disse isso?

Luíz: Vamos apreciá-lo devagar.

(silêncio)

Regina: Mais nada a dizer.

Luíz: Nada.

Regina: É bom assim.

Luíz: É bom.

Regina: Ótimo.

Luíz: Excelente.

Regina: Magnífico

Luíz: Estupendo.

Regina: Incrível.

Luíz: Gratificante.

(tempo. Ela bebe)

Regina: Gratificante por quê?

Luíz: Não sei... Gratificante. Mais vinho?

(silêncio)

Luíz: Mais vinho?

Regina: (tempo) Explica.

Luíz: O quê?

Regina: O gratificante. O que é gratificante?

Luíz: Gratificante? Sei lá... foi só uma expressão, um modo de dizer.

Regina: Desenvolva.

Luíz: Oi?

Regina: Desenvolva.

Luíz: Cuidado para não entrarmos no status quo...

Regina: Desenvolva.

Luíz: As estatísticas.

Regina: Desenvolva.

Luíz: A gente tava indo tão bem.

Regina: Desenvolva.

Luíz: Estávamos conseguido, meu bem, não perca o foco.

Regina: De-sen-vol-va.

Luíz: A gente tava concordando com tudo, Regina, não estraga.

Regina: Tudo bem. Eu não vou estragar. Um pouco. (Ele a serve. tempo) Eu só não concordo que a gente concorde dessa maneira.

Luíz: Que maneira?

Regina: O que você quis dizer com gratificante?

Luíz: Eu não quis dizer nada com gratificante. Eu poderia nem ter dito gratificante.

Regina: Mas você disse !

Luíz: Eu disse que nós somos uma evolução social.

Regina: Você não disse isso. Eu disse isso.

Luíz: Cadê a evolução? Os evoluídos não discutem por causa de uma palavrinha.

Regina: Mas não é uma palavrinha qualquer. Você disse gratificante.

Luíz: E?

Regina: Para tudo tem um limite.

Luíz: Para tudo tem seu momento.

Regina: Cala a boca. Gratificante o quê? Se separar de mim é gratificante? Você poderia ao menos ser um pouco mais educado.

Luíz: Eu nem pensei no que falei.

Regina: Mas falou.

Luíz: Eu poderia ter dito por exemplo, dignificante.

Regina: Mas não falou! Mais vinho?

Luíz: Eu sabia que não ia dar certo. Não conseguiríamos. Até concordando a gente briga. Uma merda essa história de leveza, de diferentes. Diferentes o caralho. Não há casal que se separe que consiga sair do padrão. Putz, outro nome para esquete. Um pouco.

(ela o serve)

Regina: Você adora se sair de vítima, quando você é que sempre estraga tudo. Gratificante digo eu!

Luíz: Você parou de respirar.

Regina: Gratificante se separar, né? Depois de tudo o que fiz por você. Depois de todos esses anos de merda que eu perdi com você.

Luíz: Não esquece da yoga, Regina. Respira e solta. Lembra?

Regina: Cala a boca, Luiz.

Luíz; Amanhã você não me verá mais. Ainda dá tempo para recuperar todos esses anos perdidos de merda.

Regina: Não foi isso o que eu quis dizer!

Luíz: Mas disse!

(tempo)

Regina: Isso não devia estar acontecendo.

Luíz: A gente se separar?

Regina: Não! Esses insultos. Por que, para se separar, é preciso haver insultos?

Luíz: Estamos expurgando nossas frustrações. Às vezes é preciso expurgar as frustrações.

Regina: Mas tínhamos combinado que não deixaríamos isso acontecer.

Luíz: Isso foi antes do vinho. Mais vinho?

Regina: Um pouco.

(ele a serve)

Luíz: E se mudássemos de assunto?

Regina: Tipo o quê?

(tempo)

Luíz: Sabia que os casos mais graves de acne aumentam o risco de suicídio?

Regina: E daí?

Luíz: E daí, que o nosso filho é um adolescente.

Regina: E daí?

Luíz: E daí que ele tem acnes.

Regina: E daí?

Luíz: Isso não te preocupa?

Regina: Nosso filho não vai morrer.

Luíz: Nunca se sabe. Os tempos de hoje...

Regina: Por que gratificante?

Luíz: Caralho! Você não desiste!

Regina: Por quê? Por quê? Por quê?

Luíz: Por que não falamos das acnes? Saiu no jornal, então deve ser importante. Temos um filho adolescente.

Regina: Foda-se as acnes. Foda-se o nosso filho. Estamos falando da nossa separação. Dos anos lindos e bostas juntos que vão ser rompidos, dos nosso corpos que serão afastados, da nossa alma rasgada, um corte na nossa história. Será que você não entende? Você poderia ter dito tudo, tudo Luíz. Tudo, menos gratificante. Mais vinho?

Luíz: Um pouco! (ela o serve. tempo)Vamos acabar com isso agora.

Regina: Não! Vamos acabar com isso agora!

Luíz: Não! Vamos acabar com isso agora!

Regina: Não! Vamos acabar com isso agora!

Luíz: Não! Vamos acabar com isso agora!

Regina: Não! Vamos acabar com isso agora!

Luíz: Se estamos concordando, por que estamos brigando?!

Regina: Estamos expurgando nossas frustrações. Foda- se as estatísticas. É preciso expurgar as frustrações.

Luíz: Outro nome bom. Olha quanto nome bom daria para uma cena curta!

Regina: Foda-se os nomes! Você está com ideia fixa em nomes!

Luíz: E você está com ideia fixa em gratificante!

Regina e Luíz: Mais vinho?

Regina e Luiz: Um pouco.

(eles se servem. tempo)

Luíz: Desculpa. Eu não queria dizer gratificante.

Regina: Desculpa, eu não queria me tornar o que eu me tornei.

Luíz: Desculpa, eu não queria te fazer se tornar o que você se tornou.

Regina: Desculpa, eu não queria te fazer me fazer eu me tornar o que eu me tornei

Luíz: Desculpa, eu não queria me separar de você.

(tempo)

R: Não?

(tempo)

Luíz: Mais vinho?

Regina: Não? (tempo) Um pouco.

Luíz: Desculpa, acabou.

Regina: Eu sei.

Luíz: O vinho.

Regina: Oi?

Luíz: O vinho acabou.

Regina: O vinho. (tempo) E agora, o que fazemos?

Luíz: E se mudássemos de assunto?

Regina: Mudar de assunto? É isso? Então, tá bom. Se é isso. Vamos mudar de assunto.

Luíz: Tem certeza que não quer falar das acnes? Eu acho mesmo um assunto importante. Temos um filho adolescente.

Regina: Por que você quer tanto falar das acnes?

Luíz: Porque amanhã eu vou embora e não conversaremos mais sobre trivialidades.

Regina: Você tem mesmo que ir embora amanhã? (tempo. Ele não responde) Mais vinho? Ah! Esqueci. Acabou.

Luíz: É. Acabou.

Regina: O vinho.

Luíz: É. O vinho acabou. (tempo)

Regina: Acabou.

Luíz: Acabou.

Regina: (respira) Então tá...

Luíz: (respira) Então tá...

Regina: Voltamos à cordialidade. Isso foi apenas uma cena curta.

Luíz: Isso não foi apenas uma cena curta.

Regina: Sim, isso foi. Mas vamos acabar com ela.

Luíz: Como?

Regina: Me fale das acnes.


FIM

___________________________

ENCONTRO FELIZ
de Renata Mizrahi

Matéria: Maioria da população de Rio e SP não casaria com gordos

Personagens:
Cláudio – o gordinho
Mulher - a atendente
Homem bonito- participação especial


(Um homem gordinho, Cláudio, está entrando na agência matrimonial “ Encontro Feliz”.)

(A sala está da agencia está vazia. Com um cartaz escrito: APERTE A CAMPAINHA. Ele aperta. Imediatamente entre uma mulher muito bem vestida, impecável, maquiagem perfeita, com um sorriso estampado na cara. Excessivamente simpática.

CLÁUDIO: Boa tarde...

(A mulher, sempre sorrindo, passa por ele, sem vê-lo, e se posiciona para começar a falar. Seus movimentos são robóticos, como os de uma aeromoça. Tudo o que ela fala ele confirma com a cabeça)

Mulher: Olá. Está cansando de procurar seu amor por aí e nunca encontrar? Seus amigos já não sabem mais quem lhe apresentar? A vida solitária é um grande vazio angustiante? Não suporta mais assistir comédias românticas e pensar que isso jamais aconteceria com você? Cansou de investir na pessoa errada? Quer se apaixonar de verdade? Alguém compatível? Com afinidade? Você está no lugar certo! Bem vindo à Agencia matrimonial “Encontro Feliz”. Temos um grande prazer em recebe-lo. Sua vida vai mudar pra melhor. Não vale a pena viver sem seu verdadeiro amor. Nosso sucesso depende da sua felicidade. Vamos fazer um cadastro?

CLÁUDIO: (muito animado) SIM!

(Pela primeira vez a mulher olha para ele. Com uma decepção estampada ela vai deixando de sorrir. Silêncio)

CLÁUDIO: Sim! Onde eu preencho o cadastro?

MULHER: (volta a sorrir): Cadastro?

CLÁUDIO: O cadastro. Mal vejo a hora . Eu devia ter feito isso há muito tempo, sabe?

MULHER: Tá aqui. O cadastro.

CLÁUDIO: Ótimo.

MULHER: Nome.

CLÁUDIO: Cláudio Sampaio.

MULHER: (escrevendo) Cláudio Sampaio. (o olha de cima a baixo novamente) Tem certeza?

CLÁUDIO: De quê?

MULHER: Tem certeza de quer fazer isso?

CLÁUDIO: Claro. Se eu estou aqui.

MULHER: Ok. Tem algum apelido?

CLÁUDIO: Oi?

MULHER: Algum apelido?

CLÁUDIO: Apelido? Por quê?

MULHER: (mostrando o cadastro) É só um item do cadastro.

CLÁUDIO: ah! (tempo) Não. Não tenho.

MULHER: (o olhando de cima a baixo) Tem certeza que não?

CLÁUDIO: (constrangido)Tenho! Eu não tenho nem nunca tive apelido.

MULHER: (irônica) Ok. (escrevendo) Sem apelidos. Idade.

CLÁUDIO: 35 anos.

MULHER: Tem certeza mesmo que quer fazer isso?

CLÁUDIO: Mas eu já disse que tenho. Qual é o problema? Esse aqui não é o lugar ideal?

MULHER: Quer que eu fale?

CLÁUDIO: Fala.

MULHER: (sempre sorrindo) Na verdade isso aqui é uma grande furada. Esse papo de casamento não tá com nada. Não dá certo. Casamento é um mal, uma praga da sociedade. As pessoas casam felizes e morrem de tristeza. Não vale a pena. Se eu fosse você, caia fora o quanto antes.

CLÁUDIO: E aquele papo todo de “ você está no lugar certo, sua vida vai mudar pra melhor, não vale a pena viver sem seu verdadeiro amor?”

MULHER: Tudo papo furado. Eu fui treinada e tenho que executar o meu trabalho. Mas, ó, tudo isso é uma estratégia sórdida de arrancar dinheiros das pessoas sozinhas e carentes.

CLÁUDIO: Mas vocês funcionam há 56 anos.

MULHER: Pra você ver. 56 anos enganando otários.

CLÁUDIO: Por que você tá me dizendo isso?

MULHER: Porque eu me simpatizei com você, fui com a sua cara. Vi logo que você não é como qualquer um que acha que só porque tá vindo aqui, vai resolver todos os seus problemas afetivos. Vai nada. As pessoas pagam pra ser enganadas e sabem disso. Vai por mim. Casamento só da certo em último capítulo de novela, porque ninguém vai ficar sabendo o que vai acontecer depois.

CLÁUDIO: Puxa, que triste.

MULHER: Pois é. Muito triste. O mundo é dos solitários, mas eles insistem em estragar tudo achando que não.

CLÁUDIO: Bom, obrigado de qualquer maneira. Eu ia acabar perdendo tempo aqui não, é?

MULHER: Ah, ia. Ia perder um tempão. Nossa!

CLÁUDIO: (triste) Valeu!

MULHER: Tchauzinho.

(Cláudio sai. A mulher sai. Entra um homem magro e bonitão e toca a campainha. A mulher volta. Cláudio também volta sem ser visto e observa o que acontece.)

(A Mulher volta a ficar excessivamente simpática e repete o texto e os gestos iniciais. O homem bonito concorda com a cabeça com tudo o que ela fala.)


Mulher: Olá. Está cansando de procurar seu amor por aí e nunca encontrar? Seus amigos já não sabem mais quem lhe apresentar? A vida solitária é um grande vazio angustiante? Não suporta mais assistir comédias românticas e pensar que isso jamais aconteceria com você? Cansou de investir na pessoa errada? Quer se apaixonar de verdade? Alguém compatível? Com afinidade? Você está no lugar certo! sua vida vai mudar pra melhor, não vale a pena viver sem seu verdadeiro amor?.Bem vindo à Agencia matrimonial “Encontro Feliz”. Temos um grande prazer em recebe-lo. Nossa felicidade depende da sua felicidade. Vamos fazer um cadastro?

HOMEM: Sim!

(A mulher lha para o homem e fica ainda mais simpática)

HOMEM: Mas que bom, é uma alegria ter você conosco.

MULHER: Nome?

HOMEM: André Bulcão.

MULHER: Que nome bonito. Algum Apelido?

HOMEM: Dedeco.

MULHER: Idade.

HOMEM: 35

MULHER: Idade perfeita. Signo

HOMEM: Escorpião.

MULHER: Altura.

HOMEM: 1, 80.

MULHER: Ótimo. Peso.

HOMEM: 75 kilos.

MULHER: Excelente. Gosta de artes?

HOMEM: Prefiro esporte.

MULHER: Fuma?

HOMEM: Pouco.

MULHER: Bebe?

HOMEM: pouco.

MULHER: toca algum instrumento.

HOMEM: não, mas posso aprender.

MULHER: o que você procura numa mulher?

HOMEM: Tem que ser magra, bonita, atraente, sem filhos, independente, inteligente, descolada, sem frescuras.

MULHER: Muito bem. Tenho certeza que não vai ser difícil encontrar uma mulher pra você. O senhor brevemente terá o seu Encontro Feliz.

HOMEM: Eu estou ansioso. Me falaram que vocês não erram nunca.

MULHER: Nunca. Levamos muito a sério a questão do casamento. Afinal, uma pessoa sem companhia nesse mundo é a mesma coisa que avião sem asa, futebol sem bola, piu piu sem frajola.

CLÁUDIO: O mundo é dos solitários, mas eles insistem em estragar tudo achando que não.

HOMEM: Oi?

MULHER: (ri sem graça) Que engraçadinho! (para ele) Dá licença...

CLÁUDIO: Foi o que ela acabou de me falar. O mundo é dos solitários mas, eles insistem em estragar tudo achando que não. Também disse que esse lance de encontro, casamento é uma grande furada, uma estratégia para arrancar dinheiro de otários.

MULHER: (ri) Que piadista! Adoro piadistas. (para ele) Eu estou atendendo...

CLÁUDIO: Mais um otário? Ou o otário aqui sou eu?

MULHER: (ao homem bonito, sempre simpática, já empurrando ele para a porta) André, por que você não termina de preencher seu cadastro na paz do seu lar? Amanhã volta com ele preenchido e daremos entrada ao seu Encontro Feliz.

HOMEM: Mas...

MULHER: Até amanhã. (o homem sai. À Cláudio) Esqueceu alguma coisa?

CLÁUDIO: Eu quero fazer meu cadastro. Eu quero meu Encontro Feliz.

MULHER: Eu não posso fazer o seu cadastro..

CLÁUDIO: Por quê?

MULHER: O senhor quer mesmo saber?

CLÁUDIO: Por favor.

MULHER: Então, já que o senhor insiste tanto. O senhor não está dentro do nosso perfil de clientes.

CLÁUDIO: Por quê?

MULHER: Por que... por que... Não me obrigue a dizer...

CLÁUDIO: Fala! Vamos! Coragem!

MULHER: (grita) É. Porque o senhor é gordo. Pronto! Era isso que o senhor queria ouvir? Gordo! E os gordos não estão aptos para usufruírem dos nossos serviços. Ninguém casa com gordo. É uma perda de tempo nossa e sua. Gostou agora? Tá satisfeito? Eu tentei te poupar de ouvir isso. Mas já que o senhor insiste. Não aceitamos gordos!

(Longo silêncio. Cláudio fica atônito.)

MULHER: Ah, meu Deus, desculpa.

CLÁUDIO: Não...

MULHER: Desculpa, por favor desculpa. Eu... eu não devia ter falado assim... eu me exaltei. É que esse trabalho aqui me estressa muito, sabe? É muita pressão, muita pressão (chora). Olha, eu não menti pro senhor não. Isso aqui é uma palhaçada. Casamento hoje em dia saiu de moda. Ninguém merece. (chora) Desculpa.

CLÁUDIO: Você tem razão.

MULHER: Oi?

CLÁUDIO: Você tem toda a razão.

MULHER: Que ninguém merece o casamento?

CLÁUDIO: Que ninguém quer casar com gordos como eu.
Mulher: Não é isso...

CLÁUDIO:Eu fui um otário mesmo em imaginar que uma mulher que pudesse me amar. Que eu pudesse com ela, ser um bom companheiro, sem julgar se ela é gorda, magra, com sinais, ruguinhas, imagina! (conforme ele vai falando, a mulher vai se apaixonando) Eu só queria uma mulher de verdade com defeitos e qualidades como eu. Sabe, assim, uma mulher que pudesse comer uma rabada na minha frente e eu jamais iria julgar se ela ia engordar ou não, porque ela também não iria me julgar. Eu iria gostar dela do jeito que ela é. Entender a TPM dela e deixar ela brigar comigo o quanto quisesse porque eu ia saber que era só um ciclo do mês. E agente iria passear, e ir ao cinema, teatro, exposição, danças, viajar muito. E se ela tiver filhos eu ira amar os filhos dela. E se ela passar por alguma necessidade eu ia dar um suporte quando ela precisasse. E eu tocaria pandeiro para alegrá-la. Eu sei tocar pandeiro. Mas como eu sou ingênuo. Nunca que uma mulher dessas iria se apaixonar por mim e ainda querer se casar. Você não precisa se desculpar não. Foi até bonitinho te ver chorando. (dá um lencinho pra ela) Eu é que peço desculpas por ter ocupado seu precioso tempo. Ah! E eu tenho apelido sim. Fofão. Passar bem. (ele começa a sair)

MULHER: (desesperadamente apaixonada por ele depois que tudo que ele disse) Espera! (ele para, ela fala insinuante.) Eu acabo de ver pelo seu perfil que o senhor tem um encontro hoje às oito, no café da esquina, com grandes chances de dar em casamento.

CLÁUDIO: Oi?

CLÁUDIO: Bem vindo ao Encontro Feliz (excitada) Fofão!

(Cláudio olha feliz para a plateia. Luz cai em resistência.)

FIM

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A VIDA É FEITA DE MEL E DRAMA

De Renata Mizrahi

matéria: concurso de travestis nas filipinas é um sucesso

CENA1

R: Bom, eu acho que a gente termina por aqui. Eu estou mais que decidido.

Analista: Ricardo, olha...

R: Não precisa falar nada. Nada do que você disser será suficiente.

Analista: Bem...

R: Passar bem.

(Ricardo sai)

CENA 2

R: Clara, minha querida irmã! Me abraça!

C: Que entusiasmo é esse? Aconteceu alguma coisa?

R: Eu tô livre! Livre!

C: Livre de quê?

R: Me dei alta. Não faço mais análise. Chega dessa palhaçada. Há anos que eu vou lá e não tá adiantando nada. Ele fica lá quieto , calado, sem abrir a boca, e sou eu falando, falando. Cansei.

C: Você não devia ter feito isso.

R: Por que não? Por que não? Esse pessoal fica colocando um monte coisas nossa cabeça. Adoram apontar problema aonde não tem. A única coisa que meu analista insiste em me dizer, é que eu não aceito a realidade. Palhaçada.

C: Isso pode ser possível.

R: Possível como? A minha vida é perfeita. Eu tenho uma família estruturada, um emprego que sempre sonhei. Minha vida é tão doce quanto mel. Essa é a minha realidade.

C: Ricardo, nem sempre as coisas são o que parecem...

R: Ah, não, Clara, não vem com esse papo não. Não vai me dizer que eu também nego a minha realidade. Por que todo mundo acha que pra estar no mundo é preciso ser infeliz? Minha vida não tem dramas e isso até parece um pecado. Por que eu deveria sofrer?

(entra o pai)

Pai: Porque você é adotado.

R: Oi?

P: É isso mesmo o que você ouviu, filho. Eu não sou seu pai de sangue. Desculpe. Eu não pude deixar de ouvir toda essa sua conversa com sua irmã. Já que você se deu alta, já deve estar na hora de saber toda a verdade.

R: Toda a verdade?

P: Você foi encontrado ainda bebê, nas margens do rio Bonito. Alguma alma monstruosa te deixou jogado na lama. Ainda bem que naquela época eu era hippie e estava passando por ali vendendo pasta de dente orgânica, quando eu ouvi seu choro ao longe. Tão indefeso... Na mesma hora eu fiquei com você. E é claro isso nunca vai mudar em nada. Sua família é essa e sempre será.

R: Ah, meu deus! E mamãe, cadê mamãe? (entra a mãe, ele a baraça) mamãe!

M: Filho! Então seu pai te contou.

Ricardo: Eu nunca imaginei que pudesse ouvir uma coisa dessas, mãe.

M: Na verdade, você não deveria me chamar de mãe. E sim de pai.

Ricardo: Oi?

Pai: Filho, meu verdadeiro nome é Armando e eu sou um travesti.


Ricardo: o que? Não, não isso não pode estar acontecendo.

Pai: Algum dia você teria que saber.

Ricardo: Mas, mãe. Como eu nunca reparei que na verdade você é um … um...

Mãe: Homem? Porque eu, meu filho, sou considerado o travesti mais feminino do mundo. Não é a toa que eu venci o ultimo concurso de travesti nas filipinas.

Ricardo: Mamãe? você participou de um concurso de travesti?

Mãe: Um não, filho, vários. Todo ano que eu dizia que estava viajando para encontrar a tia Carminda em Friburgo, na verdade eu estava indo participar dos concursos mundiais. Se você quer saber, mamãe já ganhou 9 vezes o primeiro lugar.

Pai: É o meu orgulho.

R: papai então você é... eu estou chocado.

Pai: É melhor a gente te deixar em paz. Foi muita informação de uma vez só. Mas, fica tranquilo, nós te amamos da mesma forma.

(Ricardo chora feito uma criança)

P: Ricardo, a vida não é só feita de mel, é também feita de drama. Não se esqueça disso.

(eles saem)

Ricardo: Clarinha? Você sabia de tudo isso?

Clara: Sim, Ric, eu, ao contrário de você, sempre soube.

R: Por que nunca me contou.

C: Porque eu também tenho uma coisa importante pra te dizer.

Ricardo: (assustado) O que?

Clara: Na verdade eu não sou clara, eu sou negra. (por baixo da roupa, mostra sua verdadeira cor de pele- negra)

R: Oi?

C: Eu nunca quis te dizer isso pra você não desconfiar que não era a sua irmã, mas agora que tudo foi revelado, eu posso assumir minha afro descendência.

Ricardo: Clara?

C: Pode me chamar de Preta. E eu também não trabalho na Caixa Econômica. Eu sou cantora de black music (solta a voz)

(Ricardo, muito chocado)

R: Ah, meu Deus! Meu Deus! (sai desesperado)

CENA 3

R: Ainda bem que você me recebeu de volta. Eu tenho muito que trabalhar...

Analista: Olha, me desculpe, mas hoje você vai ter que me ouvir. Eu não sou analista terapêutico. Eu sou analista de sistemas. De sistemas. Não posso, e nunca poderei te ajudar.

(Ricardo, sem reação.)

FIM


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A SIMPATIA de Renata Mizrahi

Personagens:
Clara: mulher desesperada
Breno: Homem decidido
Madame Tessi: Adora mulheres desesperadas.
Doutora . Elenco de apoio



CENA 1- O PRESENTE- Breno com roupa de noivo.

BRENO: Eu te amo.
CLARA: Jura?
Bruno: Juro.
CLARA: Mesmo?
BRENO: Mesmo.

(Ele dá um beijinho na boca dela. Música)

CENA 2- O PASSADO

Clara está chorando com uma filipeta na mão. Ela entra numa porta .

Clara: Com licença?
MADAME TESSI: Entra.
CLARA: Será que é aqui?
MADAME TESSI: Veio atrás de seu amor?
CLARA: Eu o perdi.
MADAME TESSI: É aqui mesmo.

CLARA: Você é a... (Clara lê no papel)

MADAME TESSI: Madame Tessi.
CLARA: Oi, eu a sou...
MADAME TESSI: Clara.
CLARA: Como sabe?
MADAME TESSI: Você o perdeu recentemente?
CLARA: Oi.

MADAME TESSI: Seu amor. Perdeu recentemente?

CLARA: Ah! Sim. (chora)
MADAME TESSI: Deixa eu te ver.

(Madame Tessi se aproxima dela. Solenemente tira algo de sua roupa como se fosse uma feitiço)

MADAME TESSI: Tome.
CLARA (curiosa): O que é isso?
MADAME TESSI: Um batom, vai te deixar melhor.
CLARA: (decepcionada chora) Eu não me agüento mais.
MADAME TESSI: Logo, logo seu amor estará de volta.
CLARA: Mesmo?
MADAME TESSI: Não foi pra isso que você veio aqui?

CLARA: Foi. E eu vou conseguir?

MADAME TESSI: Depende do que você for capaz.
CLARA: Eu faço de tudo. De tudo.
MADAME TESSI: Vou precisar fazer umas perguntas.
CLARA: Eu faço de tudo. De tudo.
MADAME TESSI: Ele é casado?
CLARA: Não!
MADAME TESSI: Separado?
CLARA: Não.
MADAME TESSI: O que aconteceu?
CLARA: Eu não. Tava tudo indo tão bem?

MADAME TESSI: Desencantou?

Desencanto. Sim, foi isso. (chora)
MADAME TESSI: Só isso?
CLARA: “Só isso” o quê? Eu o perdi.
MADAME TESSI: Faria mesmo de tudo?
CLARA: De tudo. De tudo.

MADAME TESSI: Nome.
CLARA: Breno.
MADAME TESSI: Já fez antes?
CLARA: O quê?
MADAME TESSI: Simpatia.
CLARA: Nunca.
MADAME TESSI: Quer mesmo fazer?
CLARA: Já disse. Faço de tudo. De tudo.
MADAME TESSI: Então vai ser fácil. Escute.
CLARA: Faço de tudo, de tudo.

CENA 3 - O FUTURO DO PASSADO -

Breno está andando, Clara aparece o assustando e se joga em seus braços.

BRENO: O que ta acontecendo?
CLARA: Eu só queria te ver.
BRENO: Não vamos tornar as coisas mais difíceis, Clara.
CLARA: Eu não tô conseguindo, meu amor.
BRENO: Foi pra isso que você me chamou? Pra chorar nos meus braços?
CLARA: Você tá tão frio.
BRENO: Por favor. Eu não quero te ver sofrer.
CLARA: E você? Não sofre?
BRENO: Sim, eu sou. Mas de outro jeito.
CLARA: Que jeito?
BRENO: É coisa minha.
CLARA: Me diz respeito.
BRENO: Eu não vou ficar aqui nessa esquina com você.
CLARA: Só mais um pouquinho.
BRENO: O que tá acontecendo?
CLARA: O que tá acontecendo com você, Breno? Cadê todo aquele amor?
BRENO: Eu já falei, foi embora. Isso acontece. É normal.
CLARA: Não. Isso não acontece. Não é normal.
BRENO (tempo): Eu vou embora.
CLARA: Espera mais dois minutos.
BRENO: Por que dois minutos?
CLARA: Depois de dois minutos você vai se reapaixonar.
BRENO: Tá doida?
CLARA: Falta só mais um.
BRENO: Que saco!
CLARA: Ela falou. Espera.

BRENA: Ela quem?

CLARA: Alguns segundos.
BRENO: Aonde você tem andado, hein?
CLARA: Por favor.
BRENO: Tá! Eu tô aqui.
CLARA: Passou!
BRENO: E daí?
CLARA (esperançosa e feliz): vai, meu amor. Estou pronta pra ouvir.
BRENO: Ouvir quê?
CLARA: Fala logo que quer casar comigo.
BRENO (irritado): Tchau, Clara. Se cuida.

CENA 4 - O PASSADO MAIS RECENTE - Clara irritada volta na Madame Tessi.

CLARA: Quero meu dinheiro de volta.
MADAME TESSI: Calma
CLARA: Não funcionou.
MADAME TESSI: Eu sei.
CLARA: Tá me fazendo de palhaça?
MADAME TESSI: Você disse que fazia de tudo.
CLARA: E faço.
MADAME TESSI: Então escuta.
CLARA: Posso até te matar.
MADAME TESSI: Isso tudo faz parte.
CLARA: De quê? Da minha desintegração e enlouquecimento?
MADAME TESSI: Do seu processo de conquista.
CLARA: O que quer dizer?
MADAME TESSI: Tenha paciência.
CLARA: Não brinque comigo.
MADAME TESSI: Então ouça.

CENA 5 - PASSADO AMAIS RECENTE

Breno está passando e mais uma vez Clara aparece o assustando

CLARA: Breno!
BRENO: Clara!

(Clara joga penas de galinha em cima dele.)

BRENO: O que é isso, Clara? Tá maluca?

(Clara começa a cantar e dançar como se fosse uma galinha em volta de Breno)

BRENO: Pára com isso, Clara . Pára.

(Clara se ajoelha para ele piando feito uma galinha.

BRENO: Chega, Clara. Assim não dá.

(Ele pega ela pelos braços.)

BRENO: Clara, você não tá bem! Vai pra casa, descansa! Sai daqui agora!

(Clara abraça ele.)

BRENO (muito irritado): Chega, Clara. Vai viver a sua vida, vai viver a sua vida!

(Ele solta ela e vai embora.)


CENA 6- PASSADO AINDA MAIS RECENTE - Clara descontrolada vai até Madame Tessi.

CLARA: Me devolve tudo!
MADAME TESSI (sempre calma): É assim mesmo.
CLARA: Assim mesmo o quê? O que você tá fazendo comigo?
MADAME TESSI: Você não disse que faz de tudo?
CLARA: Eu faço de tudo. De tudo.
MADAME TESSI: Então espera.
CLARA: Eu vou acabar te matando.
MADAME TESSI: Escuta o que vou te dizer. Mas antes tome isso.

(Madame Tessi entrega um punhal para Clara.)

CENA 7 - O RECÉM PASSADO - Clara aborda Breno na rua, e mais uma vez ele se assusta.

BRENO: Ah! Quer me matar?
CLARA: Olha o que eu fiz.

(Clara abre a sua blusa e mostra seu peito todo cortado escrito o nome dele.)

BRENO: Você enlouqueceu de vez?
CLARA: Agora você volta pra mim?
BRENO: Clara, seja lá o que você esteja fazendo, pára, pelo o amor de Deus. Isso não tá adiantando nada.
CLARA: Mas devia, mas devia!
BRENO: Eu vou te levar no médico.
CLARA: Vai cuidar de mim?
BRENO: Não é isso, droga. Isso tudo me afasta ainda mais de você. Será que você entende isso?
CLARA: Eu não entendo mais nada.

CENA 8- HÁ ALGUM TEMPO ATRÁS- Clara, totalmente louca volta na Madame Tessi

CLARA: Eu não entendendo mais nada. Você disse que daria certo!
MADAME TESSI: Tenha paciência.
CLARA: Olha pra mim, olha meu peito.
MADAME TESSI: Vai dar certo.
CLARA: Com esse punhal eu te mato agora!

(Clara vai acertá-la com o punhal, Madame Tessi a impede no ar.)
MADAME TESSI: Não seja burra. Você quer me matar ou ter seu homem de volta?
CLARA (pensa e recua): Meu homem.
MADAME TESSI: Então continua fazendo o que mando.
CLARA: Faço de tudo, de tudo.
MADAME TESSI: Escute, é a última vez e terá ele pra sempre.
CLARA: Pra sempre?
MADAME TESSI: Pra sempre.

CENA 9 - HÁ MENOS TEMPO ATRÁS. Clara aborda Breno de novo.

BRENO(muito irritado): Agora chega. É última vez...
CLARA: Diz que me ama.
BRENO: Clara...

(Clara pega o punha e ameaça se matar)

CLARA: Diz que me ama, Breno. Diz!

BRENO: Não faça isso.
CLARA: Você vai voltar pra mim?
BRENO: Clara, por favor...
CLARA: Vai voltar ou não vai?
BRENO: Não vai se machucar, por favor.
CLARA: Eu faço de tudo! De tudo!

(Clara corta um dos pulsos e desmaia)

CENA 10 - O PRESENTE- Breno com roupa de noivo.

BRENO: Eu te amo.
CLARA: Jura?
BRENO: Juro.
CLARA: Mesmo?
BRENO: Mesmo.

(Ele dá um beijinho na boca dela. Ela dorme feliz. Entra a Doutora.)

BRENO:Doutora, ela vai ficar bem? Eu já posso ir.
DOUTORA: Ela está descontrolada. Se ela acordar e não te encontrar, vai se descontrolar e tentar fugir à sua procura.
BRENO: Se for preciso use a camisa de força. (pausa) E o choque elétrico.
DOUTORA: E o que digo a ela?
BRENO: Que serei dela pra sempre.

(Clara acorda.)

CLARA: Breno?
BRENO: Oi, Clara.
CLARA: Você vai ser meu pra sempre?

(silêncio)

BRENO: Sim.

(Clara sorri e volta a dormir)

BRENO: Bom. Eu preciso mesmo ir.
DOUTORA: Aonde você vai?

BRENO: Pra igreja.
DOUTORA: Rezar?
BRENO: Casar.

( Música. Clara está dormindo com um sorriso na face. Breno vai embora.)

FIM


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ATUAR NÃO

de Renata Mizrahi

tema: novela (clube da cena)

Um casal de atores. Eles estão juntinhos. Ela tenta encontrar a melhor hora para começar uma convesa

Lu: Rob, a gente tá precisando conversar sério.

Rob: Isso. Continua.

Lu: Continua o quê?

Rob: Você tá indo muito bem.

Lu: É mesmo?

Rob: Vai. Continua.

Lu: Então, Rob, eu acho melhor a gente parar por aqui.

Rob: Assim você vai arrasar.

Lu: Arrasar?

Rob: Genial, continua.

Lu: Rob, Rob, você tá ouvindo o que eu tô falando?

Rob: Esse é o tom. Esse é o tom.

Lu: Que tom, Rob? Do que você tá falando?

Rob: Meu amor, você vai arrasar.

Lu: Arrasar o quê, meu Deus?

Rob: Você é a melhor atriz que eu conheço.

Lu: Ah! Me escuta, por favor. Eu quero terminar com você. Eu não tô atuando. Você acha que eu não tô falando sério? EU TÔ FALANDO SÉRIO!

(silêncio)

Rob: É sério?

(silêncio)

Lu: Ah, brincadeira! Não!! É serio.

Rob: É sério ou não é serio?

Lu: É serio. É serio, é que foi no timing, eu não podia perder o timing.

Rob (exagerado): Não se separa de mim, não se separa de mim. E os nossos filhos, a nossa casa? Minha mãe que te adora?

Lu: Filhos, casa, da onde você tirou isso?

Rob: Gostou, né? Gostou. Vou gravar essa cena amanhã. Tá muito bom, né? Sinto que o meu personagem vai crescer muito. Depois que for ar, vai chover convites para comercial, você vai ver!

Lu: Não, Rob. Vamos parar com isso. Será que a gente não consegue não atuar pelo menos uma vez na nossa relação?

(silêncio.)

Rob: Essa pausa foi bem dramática.

Lu: É. Foi.

Rob: Se fosse ensaiado não ia ficar tão bom, né?

Lu: É.

Rob: Se soubesse que ia ficar tão bom, tinha até filmado pra gente colocar no you tube.

Lu: Vamos tentar retomar, Rob. Vamos tentar retomar.

Rob: Por que você quer tanto falar desse assunto? Você sabe do sentimento que eu tenho por você.

Lu: Rob pára de atuar, eu tô falando sério.

Rob: Mas eu não atuei, eu falei sério.

Lu (debochando): Tá, falou. E sabia que eu consegui o papel de estrela da próxima novela do Gilberto Braga?

Rob: Eu disse que você ia conseguir.

Lu: Rob, eu tô brincando.

Rob: Tá brincando por quê? Você tem mania de falar tudo brincando.

Lu: É você, Rob, é você que nunca fala sério.

Rob: Mas eu tô falando sério.

Lu: Caramba, Rob, fala sério.

Rob: O que você quer, Lu? Quer terminar é isso?

Lu: É Rob, eu quero terminar.

Rob: Então! Eu tô dizendo para gente não terminar, para gente tentar...

Lu: Rob, esse é o texto da sua próxima cena.

Rob: Finalmente eu consegui decorar.

(ela chora)

Rob: Não chora.

Lu: A gente não consegue ter um relacionamento de verdade.

Rob: Calma, amor, eu te amo de verdade.

(ela pára de chorar subitamente)

Lu: Consegui! Consegui!

Rob: O quê?

Lu: Consegui, Rob, consegui a técnica da lágrima. Viu como saiu lágrima de mim? Eu entendi a técnica, eu entendi! (Ela o abraça)

Rob: Então não vamos mais terminar.

(ela o afasta)

Lu: Não, Rob, não confunde as coisas.

Rob: Mas quem tá me confundido agora é você.

Lu: A gente tem que terminar. Desse jeito é impossível.

Rob: Não é impossível. Por que é impossível?

Lu: Rob, quando a gente tá na cama, eu nunca sei se quando você me diz aquelas coisas, é de verdade ou não.

Rob: É você que tá colocando coisas onde não tem.

Lu: É? Então diz que me ama de verdade. Sem atuar.

Rob: Eu te amo de verdade.

Lu: Tá vendo? Você não consegue.

Rob: Mas eu falei de verdade!

Lu: Mas eu não acredito mais em você. Vamos parar por aqui. Vamos acabar de vez com isso. Eu sabia que não ia dar certo namorar ator. Ainda mais que trabalha comigo na novela!

Rob: Deixa pelo o menos eu te abraçar.

Lu: De verdade?

Rob: De verdade.

(ele se abraçam)

Rob: E agora o que a gente faz?

Lu: Seria perfeito se a gente começasse a dançar como naquele filme “O último tango em Paris.”

(eles começam a dançar)

Rob: Tá vendo? Você também não consegue.

Lu: Isso não é vida, Rob.

Rob: Por que não? Por que não?

Lu: Eu admito, eu também tô presa nesse vício, mas eu quero dar um basta nisso.

Rob: O que podemos fazer?

(continuam dançando)

Lu: Rob, vamos nos proibir de atuar um com o outro. É a única coisa que podemos fazer.

Rob: Tudo bem. Eu não atuo mais com você. Nem você comigo.

Lu: Isso. Não podemos deixar que a nossa profissão seja mais forte que as nossas vidas, meu amor.

Rob: Você tem toda a razão.

Lu: Só assim poderemos realmente ser felizes e nos amar de verdade. Naturalmente.

Rob: Fala de novo, de novo.

Lu: O quê?

Rob: Repete o que acabou de falar, vai, por favor.

Lu: Mas a gente acabou de combinar!

Rob: Imagine que a câmara tá naquela direção. Repete o texto pra aquela direção, ok?

Lu: Rob, eu não acredito...

Rob: Por favor, please!

(ela faz na direção que ele pediu)

Lu: Assim poderemos realmente ser felizes e nos amar de verdade. Naturalmente.

Rob: Meu amor, você é tão boa atriz...

Lu: Você acha mesmo?

Rob: Sempre achei.

Lu: Não, não, não, não! Chega, chega! É tão insuportável.A gente não consegue, chega! Acabou. Adeus, Rob. Não dá! Adeus! (ela sai correndo. Ele fica)

Rob: Ó minha amada, não me deixa assim na escuridão, já que é a sua luz que alimenta minha alma. Como ficarei agora sem você, perdido num mar de desilusões? Meu corpo é como o fogo e você água que o apaga. Volte para mim, ó brisa serena, lua alva que me guia na noite sem fim. Sou eu, seu amor clamando desesperado. Não me abandones assim.

(ele percebe o que acabou de falar)

Rob: Caramba. Me superei. Mandei muito. Uau. Essa nem eu esperava. Vou mostrar pro autor. Quem sabe ele aumenta o meu papel e eu passe a ser o protagonista.

(Ele começa repetir o que acabou de fazer, pensando em várias formas de mostrar ao autor, animado com a possibilidade de seu personagem crescer. Esquece que foi deixado.)

FIM

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É ASSIM QUE TEM QUE SER

De: Renata Mizrahi

A cena dá idéia que é uma linda tarde de verão, numa daquelas cidades de casinhas, estilo americano, onde tudo é aparentemente calmo e harmônico. (Estilo Beleza americana) Mãe e filho estão no jardim numa dessas lindas casinhas comendo a mangas .

Obs: Pode estar comendo outra coisa. Sugestão que comam algo que empapuça.

A imagem da mãe é daquelas mulheres que parecem estar sempre felizes, como se na vida não houvesse problemas, ou não querem vê-los.

FILHO (após um longo silêncio): Mamãe? Posso te fazer uma pergunta?

MÃE (feliz com sua manga docinha): Claro, meu filho.

FILHO: Por que você e o papai estão juntos?

MÃE (um pouco surpresa): Ué, filho, porque a mamãe e o papai são casados.

Filho: E por que vocês são casados?

MÃE (ainda mais surpresa): Ué, filho porque a mamãe gosta do papai e o papai gosta da mamãe.

FILHO: Gosta mesmo, mamãe?

MÃE: (um pouco constrangida com a pergunta): Claro, meu filho!

FILHO: Ah, Entendi. Então a gente casa com quem a gente gosta.

MÃE: Isso, filho. A gente casa com quem a gente gosta.

(Silêncio. Mãe volta a comer a manga e é mais uma vez surpreendida.)

FILHO: Então eu já sei com quem eu vou casar.

MÃE (com um pedaço de manga na boca): É mesmo, filho. Você já sabe? E com que o senhorzinho vai casar?

FILHO: Com o Ronaldo.

MÃE (engasgando com a manga): Por que com o Ronaldo?

FILHO: Porque eu gosto muito dele, mamãe. E eu sei que ele gosta de mim.

MÃE (cuspindo a manga): Não, meu filho. Você e o Ronaldo são amigos. Amizade é uma coisa, amor é outra.

FILHO: Ah, então é com ele mesmo que eu vou casar. A gente se ama de verdade, mamãe. Não é apenas uma simples amizade. Ele até desenhou um coração na minha blusa, ó.

(Ele mostra um coração desenhado na sua blusa. A mãe fica muito aflita.)

MÃE: Tira isso, meu filho! Tira isso!

FILHO: Por que, mamãe?

MÃE: Tira e não discute comigo!

FILHO: Mas...

MÃE: Tira!

(O filho tira a blusa sem entender por quê. Longo silêncio. Mãe se recupera.)

MÃE: Meu filho. Você não pode casar com o Ronaldo.

FILHO: Não?

MÃE: Não.

FILHO: Por quê?

MÃE: Por que o Ronaldo, meu filho, é homem, e você também é homem. E os homens só podem casar com as mulheres.

FILHO: Por quê?

MÃE (quase perdendo a paciência): Porque sim, meu filho. É assim que tem que ser.

FILHO: Por que é assim que tem que ser?

MÃE (cada vez com menos paciência): Porque é essa a sociedade que a gente vive.

FILHO: O que é sociedade, mamãe?

MÃE (já sem nenhuma paciência): Sociedade é um troço complicado que você não tem idade pra entender.

(Silêncio. O filho fica um pouco triste com o que disse a mãe. Os dois comem um pedaço de manga e mais uma vez a mãe é surpreendida)

FILHO: Mas, mamãe. Eu não amo nenhuma mulher. Eu amo o Ronaldo.

MÃE (recuperando a paciência): Meu filho, você ainda é muito pequeno. Ainda vai conhecer uma mulher que você ame muito e queira casar com ela.

FILHO: Mas e o Ronaldo?

MÃE: Também. O Ronaldo também vai conhecer uma mulher que ele ame muito e vai casar com ela.

FILHO: Puxa, mamãe. Eu não gostei da sociedade.

MÃE: Você é ainda é muito pequeno pra entender.

(Silêncio. Mãe acha que o assunto encerrou e, aliviada, coloca um grande pedaço de manga na boca. Até que mais uma vez é surpreendida)

FILHO: Ah! Eu já entendi!

MÃE (com a boca cheia de manga): Entendeu, meu filho? O quê?

FILHO: Eu vou mesmo me casar com uma mulher. Que nem o papai casou com você.

(Muito muito aliviada, mãe coloca mais um grande pedaço de manga na boca.)

MÃE: Que bom que você entendeu. Assim você vai ser muito mais feliz.

FILHO: Eu vou poder casar com uma mulher pra ser amante do Ronaldo, né mamãe?

MÃE (engasga com a manga): O que, meu filho? Você sabe o que é amante?

FILHO: Sei sim, mamãe. Amante é quando você ama de verdade uma pessoa, mas é casado com outra. Casamento a gente ama de mentira e amante a gente ama de verdade.

MÃE (engasgando mais com a manga): E onde você aprendeu isso, filho?

FILHO: Ué! Com você e com papai.

MÃE (engasgando mais): Comigo e com seu pai?

FILHO: É, mamãe. O papai é casado com você porque assim que tem que ser na sociedade, né?

MÃE (quase sem conseguir falar de tão engasgada): bem, não é bem assim...

FILHO: E é por isso que ele é amante do tio Silvio! Ah! Entendi!

(A mãe está engasgada com a manga, que cai de sua boca por toda parte, e fica completamente atônita.)

MÃE: O que, meu filho? Seu pai é amante do tio Silvio? Por que você está inventando isso?

FILHO: Eu não tô inventado, mamãe. Eu vi o papai e o tio Silvio de mãos dadas, um dia, quando eles foram me buscar na escola.

MÃE (quase morrendo): De mãos dadas?

FILHO: Igualzinho como eu fico com o Ronaldo.

(Mãe nos seus últimos segundos de vida começa a urrar.)

FILHO: Mamãe, tá tudo bem?

MÃE: Não, meu filho. Acho que a sua mãe ta morrendo.

FILHO: Já, mamãe? Não morre. Você ainda nem conheceu o Ronaldo...

(mãe morre engasgada)

FILHO: Mamãe! Não Morre! Mamãe, porque você morreu? O que foi que eu fiz? Mamãe!!!!!

(Filho começa a chorar como uma criança desprotegida)

FIM.


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Matéria

JUIZ CONDENA PAIS POR EDUCAR FILHOS EM CASA

Sentença prevê multa e fala em “abandono intelectual” dos jovens de 15 e 16 anos, tirados da escola há quatro anos, em Minas

Jornal Folha de São Paulo – Cotidiano – 06 de março de 2010

RENATA MIZRAHI

ESSA É A VIDA

De Renata Mizrahi


Dois homens sentados em um banco. Um deles, Ivan, é bem elegante e outro, Sandro, é bem simples. Eles estão esperando algo. Eles escutam uma voz de uma mulher que vem de fora:

Voz: Herbert, eu já disse. Eu não tenho culpa que você é brocha. Que o Otávio é muito mais gostoso. O pau dele é muito maior que o seu... Herbert você quer me ouvir? Herbert

(aparece uma mulher, a mesma mulher da voz vestida de policial. Ao vê-los ela se constrange e se ajeita, tentando disfarçar.)

Policial: Com licença. (ela passa para o outro lado)

(eles se olham e riem na cumplicidade do que acabaram de ouvir)

Sandro: Dá pra imaginar? Uma mulher dessas, toda séria...

Ivan: Imagina como ela não deve ser fora daqui. Precisa extravasar.

(os dois riem)

Ivan: Também ta esperando te chamarem.?

Sandro: Tô.

Ivan: Demora.

Sandro: Ô.

(toca o celular de Ivan)

Ivan: Com licença. (atende) Alô? Oi, minha filhinha linda do papai. (tempo) Eu sei. Eu sei, o papai prometeu. Espera então que o papai vai chegar só mais tarde, ta? Te amo. Beijinho, tchau. (desliga)

Sandro: Sua filha?

Ivan: É.

Sandro:É a única?

Ivan: Não. Essa é a caçula. Eu tenho mais um. Quase um adolescente.

Sandro: Também tenho. Só que os meus já são grande. Ana e João. (mostra a foto deles) Já têm pra mais de 16 anos.

Ivan: São bonitos. Parecem felizes.

Sandro: É. E tavam mesmo. Nesse dia aqui eu levei eles pra conhecer o Palácio da Guanabara. Expliquei a história da cidade toda. Eles nunca tinham parado pra pensar quanta história a cidade tem pra contar.

Ivan: É bom quando um pai faz isso com os filhos.

Sandro: Você acha?

Ivan: Eu acho. Se eu tivesse mais tempo, eu passaria o dia com meus filhos ensinando a eles as coisas da vida.

Sandro: Pois é. Foi exatamente isso que eu fiz. O meu comercio tava indo bem, então eu aproveitei pra me dedicar à Ana e ao João. Coisa que os meus pais não fizeram comigo.

Ivan: É. Concordo com você. As vezes eu fico preocupado em trabalhar tanto e não ver os meus filhos crescerem.

Sandro: É isso o que eu faço. Aí eu pergunto, será que vale a pena trabalhar tanto, ganhar tanto dinheiro pra não ver os filhos? Aí você dá o dinheiro pros filhos, mas não dá a sua presença.

Ivan: Você sabe que você tem razão. Eu ando sentindo muito isso. Toda vez que a minha filha ou meu filho ligam eu to numa reunião. Isso me dá uma dó.

Sandro: Sabe que eu acho que o senhor devia fazer?

Ivan: O quê?

Sandro: Posso falar? Não vou to invadindo sua privacidade?

Ivan: Não, sério. Pode falar.

Sandro: Eu acho que o senhor devia pegar seus filhos, sua esposa e fazer uma viagem. Ir pra um lugar bonito, agradável. Passar uns bons dias na companhia deles. Eu tenho certeza que eles vão adorar.

Ivan: É uma ótima idéia. Há um tempo que eu tô pensando em fazer isso.

Sandro: Não pensa não. Faz. Faz que você vai ver como é bom. Teve uma vez que a Aninha tava tristinha, ela era pequena nessa época, e eu não entendia por quê. Tentei falar com ela várias vezes, mas ela não me dava bola. Aí eu resolvi fazer uma viagem com a família, uma viagem curta. Fomos pra Serra. Um lugar lindo. A Aninha ficou tão feliz. Quando ela viu a cachoeira, eu me lembro como se fosse hoje, os olhinhos delas brilharam tanto com aquela beleza. Eu peguei ela no colo e caímos na água. (ele faz os gestos) a gente cantava uma canção: Lá vai o barco, lá vai o barco... fingíamos que estávamos dentro de um barco e de repente: O barco ta afundando, o barco ta afundando A Ana ria. Sabe que depois daquele dia, ela nunca mais ficou triste daquele jeito?

Ivan: Essa história me fez lembrar o dia que eu levei o meu filho mais velho pra andar de cavalo. Era o sonho dele. Ele tava todo animado. Colocou uma roupinha de cowboy, tava muito feliz. E na hora que a gente chegou na pracinha, soubemos que os cavalos estavam em outro lugar, distante dali. Eu vi os olhinhos do Dudu se encherem de lágrimas. Aí eu não me contive, fiquei de quatro e falei (ele também faz os gestos): Dudu, sobe aqui. O papai agora é o mais veloz cavalo do mundo!. E o Dudu subiu, eu andava e trotava e relinchava e ele ria, e eu sabia que ali ele me amava muito mais, que ali eu era o pai, cavalo, amigo, amor do meu filho. A gente passou a tarde toda, eu de cavalo e meu filho de cowboy na pracinha. Ele e eu nunca vamos esquecer desse dia.

Sandro: O João meu filho também adorava quando eu brincava de cavalinho com ele. E principalmente quando eu imitava um macaco (ele imita) eu andava por tos lados da casa, jogava tudo no chão, ele soltava aquela gargalhada e falava : O papai virou um gorila maluco, um gorila maluco! Eu pegava ele no colo e jogava o corpinho dele de um lado pro outro, a minha mulher chegava e dava um esporro na gente por causa da bagunça, e a gente ficava quietinhos naquela cumplicidade, rindo por dentro, parceiros um do outro.

Ivan: Minha filha adora quando a gente sai no final de semana para andar de bicicleta, no pôr do sol, a gente pára em frente à Lagoa, o céu todo alaranjado, e tomamos em silencio um água de coco. E nessa hora somos as pessoas mais felizes do mundo. (suspiro)

Sandro: A vida é tão boa com a gente, quando nos dá filhos.

Ivan: É. Tudo faz sentido.

Sandro: Essa é a vida.

Ivan: É a vida. (tempo) Obrigado. O senhor me fez lembrar porque eu gosto de estar vivo. As vezes eu acho que esqueço. Pelo visto é um excelente pai.

(Sandro fica triste)

Ivan: Que foi?

Sandro: Deixa pra lá. É a vida.

Ivan: Não. Não deixa pra lá não. Por que o senhor ficou assim de repente?

Sandro: Os meus filhos sempre reclamaram da escola, nunca estudaram, nunca se interessaram por nada, e eu resolvi bancar a educação deles sozinho, sem escola, coloquei eles para estudar todos os dias, a gente fazia passeios juntos,como esse da foto no Palácio da Guanabara, fazíamos pesquisas, estudávamos matemática, português, biologia, líamos livros, e eles estavam muito felizes e cada vez mais interessados no conhecimento. Mas um vizinho meu achou estranho o fato deles não irem para o colégio, de não vestirem uniformes e passarem o dia na minha companhia. Ele achava aquilo anormal e me denunciou. Disse que eu privei meus filhos de uma educação tradicional escolar. Olha, você pode perguntar para os meus filhos qualquer coisa sobre história, geografia, matemática, biologia, português, o que quiser. Eles vão responder. E vão responder felizes e orgulhosos. Então por que um pai não pode educar seus filhos? Meus filhos odeiam os colégio , odeiam. E olha que eu tentei colocá-los em várias escolas de diferentes pedagogias. Mas não dava certo. Eles não conseguiam estudar, se sentiam oprimidos nas salas de aulas, usando aqueles uniformes, as vezes sendo um mero número na chamada. (tempo) Agora eu tô aqui. Por causa do meu vizinho, vou ser julgado por alguém que nunca vai entender a minha atitude. Não querem saber se meus filhos são ou não felizes. Alguém vai me julgar e pode ser que eu me separe deles, que eu vá preso, me separe das pessoas que eu mais amo na vida, daquilo, como você mesmo disse, que me faz gostar de viver. Pro senhor eu sou um excelente pai, para eles eu vou ser julgado justamente por isso. É a vida.

(Grande silêncio. Ivan fica sem saber o que dizer)

Ivan: O senhor se chama Sandro da Conceição Neves?

Sandro: Esse é meu nome sim, como você sabe?

(Ivan ainda não sabe o que dizer. Tenta dizer algo mas nesse momento entra a mulher policial)

Policial: Promotor Ivan?

(Ivan levanta)

Ivan: Sim?

Policial: O caso Sandro da Conceição Neves já está pronto para ser julgado. Pode entra nessa sala. Seu Sandro, o senhor pode continuar aí. Daqui a pouco sai a sua sentença.

(Ivan levanta devagar e constrangido. Eles se olham.Ivan não sabe o que dizer e quase não sai o som)

Ivan: Desculpa.

(Ivan, perturbado sai com a mulher. Tempo)

Sandro : Essa é a vida.

FIM.

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Morte Bizarra

de Renata Mizrahi

matéria: Comerciante morre engasgado após comer mocotó em bar no Espírito Santo

Personagens: Narradores/ apresentadores – sugestão para ser mais de 1 ator/atriz.

Francisco

Bette

Narradores/apresentadores: O mundo é feito de uma conjuntura de acontecimentos. Cientistas, filósofos, teóricos, psicólogos, antropólogos, físicos, engenheiros, religiosos, artistas, a humanidade toda tenta explicar uma a verdade que satisfaças nossas mentes inquietas. O que nos traz aqui? Qual o sentido da vida? Qual a nossa missão? O nosso papel? Por que existimos? Há milênios o homem discute, pensa, reflete, as perguntas aumentam e as dúvidas crescem. Mas todos: cientistas, filósofos, teóricos, psicólogos, antropólogos, físicos, engenheiros, religiosos, artistas, sabem, concordam e não discutem sobre ela. Ela, a única verdade, a sabedoria universal, motivo de tudo e que a causa a ação:

A Morte!

Esse é mais um episódio de: Mortes Bizarras !

Na semana passada, reconstituímos o último dia da vida de Reinaldo Bulcão, 33 anos, que foi encontrado morto na entrada de sua casa com ferimentos de faca no peito. A polícia suspeitava de assassinato, quando sua esposa confessou ter ouvido o marido se questionar se a sua nova jaqueta seria à prova de facas. Fez o teste e constatou que não era. Pobre Reinaldo!

E no programa de hoje fiquem com:

Seu Francisco de Silva neto, 55 anos.

Ex viajante de pau de arara, ex office boy da joalheria de seu Saul, ex estudante, ex concursado, ex funcionário público, dono de um sorriso fraternal e generoso, e foi com ele que Seu Francisco conheceu seu grande amor, dona Bette, mulher direita e honesta que seu Francisco não deixou passar, e com ela se casou. Em pouco tempo , seu Francisco adquiriu 1 casa comprada pelo financiamento da Caixa, 3 filhos, 4 netos, 1 cachorro.

Seu Francisco um homem que gostava de esporte, natação, corrida, futebol, basquete, ciclismo.

Com tudo isso, pode -se dizer que seu Francisco era dono de uma vida feliz, alegre e saudável. Poderia até mesmo ser uma estrela de comercial de margarina, yogurte, pasta de dente e por que não de carro importado?

Mas como já dizia o grande William, há mais mistérios entre o céu e a terra do que possa explicar nossa vão filosofia, hoje, o programa Mortes Bizarras recapitulou o último dia da vida se Seu Francisco. Vejam com a gente.

(Casa de Francisco.)

Bette: Amorzinho, hoje nós fazemos 35 anos de casados.

Francisco: Eu sei minha princesa. Parabéns!

Bette: Que tal um brinde?

(mostra duas taças de champanhe)

Francisco: Bebida alcoólica a essa hora?

Bette: Que é que tem? É um dia especial.

Francisco: Eu sei, mas acho que não vai fazer bem.

Bette: Ah, só um golinho pra gente comemorar...

Francisco: Vamos brindar com um suquinho de limão, meu bem.

Bette: Suquinho de limão?

Francisco: É. Dizem que faz muito bem pra saúde. Dá longevidade. E álcool, você sabe. Não é legal.

Bette: Bom... Eu vou pegar o suquinho.

(ela vai, enquanto isso se exercita. Ela volta com o suco de limão e um pedaço de bolo de cenoura com calda de chocolate)

Bette: Olha só o que eu trouxe pra gente comemorar.

(Vai comer o doce, Francisco a impede)

Francisco: Opa, opa! Tira isso da boca. Tira isso!

Bette: Por quê? É o nosso aniversá...

Francisco: E por causa disso você vai comer bolo?

Bette: Qual o problema?

Francisco: Qual o problema? Você ainda pergunta. Olha para esse negócio. Olha! (ela olha) O que você tá vendo?

Bette: Uma calda incrível em cima de uma bolo mais incrível ainda, uma verdadeira loucura, uma orgia alimentar.

Francisco: Errado! Tudo errado! Sabe o que é isso? Hidrato de carbono, glicose.

Bette: Ah, Chico não enche! Não vai ter o menor problema se eu comer um pedacinho

(Ele ega o bolo da mão dela).

Bette:Ei! O que é que isso? Que violência é essa?

Francisco: Você não lê jornal? Revista? Não vê o Globo repórter. Esse negócio aqui é o grande mal da humanidade. Só causa dependência, traz gordura e não tem nenhum benefício nutricional.

Bette: Dane-se! É gostoso. Deixa de ser chato, me dá isso aqui.

(tenta pegar o bolo)

Francisco: Além de tudo, engorda e causa celulite.

(ela desiste)

Bette: Droga. Tinha que falar que dá celulite?

(Chora)

Francisco: não chora!

Bette: poxa chico, é o nosso aniversário. Eu preparei tudo e olha que você tá fazendo! O que é que te deu?

Francisco: Meu amor, eu só quero o seu bem. Eu acho que tá mais que na hora da gente se conscientizar sobre uma rotina mais saudável. Você tá reclamando agora, mas eu tô salvando a sua vida.

Bette: Salvando a minha vida? Não acha que é um pouco exagerada essa frase?

Francisco: Claro que não.

(Ela pega um cigarro e acende)

Francisco: Opa! Opa! Que é que isso? Que é que isso?

Bette: Que é que isso o quê?

Francisco: Como o quê? Vai fumar?

Bette: Qual o problema?

Francisco: Qual o problema? Eu acabei de falar da conscientização para uma rotina...

Bette: Ah, Chico, pelo amor de Deus. Que é que é? Virou virou policial ou pastror?

(Ela traga.)

Francisco: Não, não, eu não posso ver isso.

Bette: Então vai embora. Nosso aniversário já foi pelos ares mesmo.

Francisco: Não fala assim.

Bette: Aliás, hoje não é dia de você almoçar no Gomes?

Francisco: É.

Bette: Então? Já são quase meio dia.

Francisco: Você quer se livrar de mim, né?

Bette: Eu? Imagina!

Francisco: Tá muito enganada de pensar que eu vou te deixar aqui se matando com esse cigarro?.

Bette: Pode ficar tranquilo que eu não vou morrer por causa de um cigarro.

Francisco: Um não, mas e todos os outros que você já consumiu? Você sabe o mal que isso causa?

Bette: Sei, sei de cor, mas por favor, hoje é o nosso aniversário de casamento! Você já me proibiu de brindar e comer bolo. Agora não vem querer... (ele tira o cigarro dela). Que é que isso? Enlouqueceu?

(Ele joga o cigarro no chão e apaga)

Francisco: câncer, dentes amarelos, enfisema pulmonar, bronquite, derrame, osteoporose...

Bette: Chega! Caramba! Vou parar de comprar essas revistas de dieta e saúde imediatamente.

Francisco: Meu amor, será que você não entende que a gente é refém dessas porcarias que matam?

Hoje eu acordei apaixonado pela vida, pela saúde. Uma vontade enorme de me cuidar!

Bette: E o que que eu tenho a ver com isso?

Francisco: Você é a minha mulher. Eu tenho o dever de cuidar de você também.

Bette: (respira fundo) Tá bom, Chico. Tá bom. Você tem razão. Eu vou me cuidar. De agora em diante, não bebo, não fumo, não como doce.

Francisco: Isso. Eu vou almoçar no Gomes, e na volta eu passo no mercado. Vou comprar umas verduras, umas frutas, leguminhos. Você vai ver, querida, nossa vida vai mudar. A gente vai viver muito mais que os outros. Você vai ver.

(ela abraça)

Bette: Tá certo, vai lá. Bom almoço. Manda um beijo pro Gomes.

Francisco: Aliás, hoje é dia de mocotó, tutano. Sem gordura, é claro. Eu vou pedir pro Gomes tirar toda a gordura. Faz bem para inteligência. Quer que eu traga um pouco....

Bette: Não, não. Prefiro esperar as verdurinhas.

Francisco: Isso! É assim que se fala.

(ele sai. Ela imediatamente, pega outro cigarro, o bolo e o champanhe, como que quase tendo um orgasmo, vai comer, beber e tragar. Ele volta)

Francisco: Amor?

(ela leva um susto)

Bette: Ai!!

Francisco: Eu esqueci minha carteira.

Bette: Ah, tá! E eu tava colocando toda essa porcaria no lixo.

(joga tudo no lixo)

Francisco: Que bom. Até daqui a pouco.

Bette: Até!

Francisco: Feliz aniversário de casamento. Eu te amo!

Bette: Eu também.

(cena congela)

Volta narradores/apresentadores: Seu Francisco nunca mais voltou. Morreu após se engasgar com um osso de um prato de mocotó. Seu Francisco chegou a receber os primeiros socorros de clientes do bar, mas ele já estava sufocado quando o Corpo de Bombeiros chegou.

Segundo testemunhas, Francisco chegou ao local por volta das 12h, se sentou em um banco de frente para o balcão de atendimento e fez o pedido. Enquanto comia, o ex funcionário píblico, começou a passar mal. Ao lado do corpo da vítima, a polícia encontrou um osso de boi.

Dona Bette, a esposa de Francisco, que o aguardava feliz, pois naquele dia faziam 35 anos de casados, ficou chocada com a morte.

Bette: (chorando)Não dá pra acreditar que isso tenha acontecido com ele. Ele que mais queria ser um homem saudável, não merecia morrer desse jeito.

Narradores/apresentadores: Seu Gomes, o dono do bar, um homem de 47, afirmou que o comerciante era um cliente fiel. Muito abalado, o empresário disse ainda que nunca tinha visto nada parecido.

E não percam o caso da semana que vem, vamos ver a reconstituição do último dia da vida do padre Adelir Antônio de Carli, 41 anos, que levantou vôo com cerca de mil balões de festa cheios de gás hélio às 13h do dia 20 de abril no sul do Paraná. O objetivo dele era chegar à cidade de Ponta Grossa, mas acabou sendo desviado do trajeto pelo vento e caiu no mar. Parte do corpo dele foi localizado por uma embarcação que presta serviços para a Petrobras, a 100 km da costa de Macaé (RJ), completamente morto!

Esse foi mais um Programa da MB TV. Um oferecimento das Funerária “Durma em paz”. Aquela que cuida do seu soninho. Até semana que vem!

FIM

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PARA UM MUNDO MELHOR

de Renata Mizrahi

(clube da cena- tema: fé)

(Num carro importado estão o pai e seu filho)

O FILHO- Aonde a gente tá indo, papai?

PAI- Na igreja, meu filho. Eu vou te introduzir no mundo da fé.

O FILHO- O que a gente faz no mundo da fé?

PAI- A gente reza.

O FILHO - Pra que a gente reza, papai?

Pai - A gente reza, meu filho, para o mundo ser melhor.

O FILHO- Para o mundo ser melhor, papai?

(Pai avança o sinal e fala para a janela)

PAI- Eu tô com pressa, cacete! (para o filho) Sim, meu filho, para o mundo ser bem melhor.

O FILHO- E funciona?

PAI- Ah, sim, funciona muito!

(O carro pára no sinal - um menino de rua bate na janela do carro)

Menino de rua- Moço, me dá um real...

PAI- Eu não tenho, eu não tenho.

O FILHO- Tem sim, papai, você tem 50 reais na carteira, eu vi...

PAI- Fica quieto, garoto!

Menino- Me dá só um real, moço...

PAI- Sai daqui moleque!

(O pai arranca com o carro, o menino, quase atropelado, vai embora com cara de fome.)

O FILHO- Papai, lá na igreja vocês rezam pro menino pobre ganhar dinheiro?

PAI- A gente reza para o mundo todo ser melhor.

O FILHO- Então ele vai ganhar dinheiro?

PAI- O mundo todo ser melhor.

O FILHO- Que mundo é esse, papai?

PAI- O mundo dos homens que acreditam em Deus, meu filho.

O FILHO- Então esse menino não acredita em Deus?

PAI- Por que, meu filho?

O FILHO- Porque ele também tá no mundo né, papai?

PAI- Sim, meu filho, ele tá no mundo

O FILHO- Então a sua reza não funciona.

PAI- Funciona sim , meu filho.

O FILHO- Então tem que rezar muito né, papai?

PAI- É, meu filho, tem que rezar muito.

(Tempo)

O FILHO- Papai, não é melhor, em vez de rezar, ajudar aquele menino?

PAI- A gente reza para o mundo ser melhor, meu filho.

O FILHO- Mas então...

PAI- O papai, tá dirigindo, não pode conversar agora, tá? (fala para o carro do lado) Vê se aprende a dirigir, ô loira burra!

(Tempo)

O FILHO- Papai, eu não quero ir na igreja.

PAI- Tem que ir meu filho, tem que rezar com o papai.

(O filho começa a chorar)

O FILHO- Eu não quero ir papai, eu não quero rezar, rezar é muito chato.

PAI- Tem que rezar, meu filho

O FILHO- Eu não quero, eu não quero.

PAI- Não discute, você é homem, hoje é domingo tem que rezar!

O FILHO- Mas eu não acredito em Deus, papai, eu não acredito.

PAI- Olha o que você tá dizendo! Deus vai te castigar!

O FILHO- Ele não vai me castigar, porque eu não acredito nele!

PAI- Não fala essa besteira, meu filho, senão, o papai vai te bater.

O FILHO- Se você bater em mim, Deus vai te castigar, porque você acredita nele.

(Pai não sabe o que dizer)

PAI- Por que você não acredita nele, meu filho?

O FILHO- Por que você não ajudou aquele menino, papai? (chora)

PAI- Meu filho, não adianta dar dinheiro para um menino, isso não vai resolver, tem um monte de menino assim.

O FILHO- Então por que você reza tanto, se não adianta?

(Pai não sabe o que responder)

PAI- Rezar ajuda sim, meu filho, rezar ajuda.

O FILHO- Então por que tem um monte de menino assim?

PAI- Porque pouca gente reza.

O FILHO- E por que pouca gente reza?

PAI- Porque eles não acreditam que podem mudar o mundo

O FILHO- E pode?

(Nesse momento eles são abordados no sinal por uma mulher toda suja com um bebê no colo)

Mãe- Moço, pode dar uma ajuda pro meu filho...

PAI- Sai, sai, sai...

(Ele fecha o vidro rápido com um pouco de nojo - o filho chora)

O FILHO- Eu não quero ir na igreja!

PAI- Você vai sim!

O FILHO- Eu odeio Deus!

(O pai fica muito nervoso)

PAI- Não fala isso! Não fala isso!

(O filho chorando)

O FILHO- Eu odeio Deus! Eu odeio Deus!

(O pai belisca o filho)

PAI- Maldito, não fala assim!

O FILHO- Ai, você me beliscou!

PAI- Para não falar mais uma loucura dessas, entendeu?

(O filho chora)

O FILHO- Eu quero ir pra casa!

PAI- Fica quieto, você vai na igreja rezar com o papai. E não tem mais conversa.

(O filho engole o choro e fica quieto até chegar na igreja)

(Na igreja estão, o padre e as pessoas que foram para fazer a reza de domingo- todos estão rezando)

O FILHO- Papai, por que todo mundo reza baixinho?

PAI_ Porque não precisa falar alto com de Deus, meu filho.

O FILHO- Então é por isso que tem gente pobre, papai? Porque não sabem falar baixo com Deus?

PAI- Meu filho, fica quieto e reza.


(Ele fica quieto e escuta todos rezando, depois de um tempo, começa a chorar)

O FILHO – Aaaaahhh! Eu quero ir embora! Quero ficar com a mamãe!

PAI (falando baixo) – Quer aprender a falar baixo, filho.

O FILHO – Eu não gostei do mundo da fé.

PAI- Você ainda é muito pequeno pra entender.

(O filho imediatamente pára de chorar, olha para o pai. Uma consciência súbita o domina e ele fala como um pequeno e sábio adulto.)

O FILHO- Eu entendo, papai, que se vocês rezam para o mundo ser melhor, então por que eu, um menino, uma criança que vê o mundo com os olhos inocentes, e que ainda não julga a humanidade, sofre tanto ao rezar com vocês?

(Pai não tem resposta. Black Out.)

FIM.


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NOVA ONDA DO POLITICAMENTE CORRETE INVADE O MUNDO GAY

Associação lança manual com normas para instituições se dirigirem ao meio.

Folha de São Paulo – Cotidiano – domingo, 28/02/2010

Renata Mizrahi

Cunicc 215

REDESIGNAÇÃO

De Renata Mizrahi

Os pais (bem ricos elegantes e calçudos) estão jantando.

Entra o filho JOVEM, o Ronaldo.

Ronaldo: Oi. Será que eu posso dar uma palavrinha com vocês?

Mãe: Claro.

Ronaldo (constrangido): Então. É que... É que... Eu pensei bastante sobre a minha a vida e... e... eu tomei uma decisão.

Pai: Não precisa falar. (os pais de olham) Nós já sabemos o que é.

Ronaldo: Já?

Mãe: já e estamos muito bem com isso. Pelo contrário, estamos ótimos. Felizes em poder fazer parte disso e nos sentir integrado com a sua geração.

Ronaldo: Oi?

Pai: Eu inclusive já providenciei uma consulta com o Pitangui. Quem sabe ele não pode te ajudar, hein?

Ronaldo: Desculpa, mas, do que vocês estão falando?

(tempo)

Pai e mãe: (indo até Ronaldo) Vem cá. Dá um abraço nos seus pais.

Mãe: Pensou que a gente ia ficar triste? Imagina! A gente entende.

Pai: Inclusive compramos umas revistas. Olha aqui. G magazine, Marie Claire...

Mãe: A Marie Claire já era minha.

Ronaldo: Peraí, peraí... Vocês estão insinuando que eu sou viado?

Pai e Mãe: Sh! !!!

Pai: Que é isso? Tá maluco, meu filho? Você acha que to insinuando que você é viado?!

Ronaldo: Ah bom...

Pai: Homossexual. É assim que se fala. Homossexual. Viado é um termo muito feio, muito chulo, muito preconceituoso.

Ronaldo (assustadíssimo): O quê?

Mãe: Isso mesmo, meu filho. Homossexual é o termo certo para aqueles que possuem ...

Ronaldo: Não!!! Não!!! Vocês não tão entendendo nada! Eu não vim pra falar que eu sou vi...

Pai e mãe : Homo...

Ronaldo: Homossexual. Eu vim aqui pra dizer que to pensando em me casar com a Rita.

(tempo. Pais se olham)

Mãe: Ah não, meu filho.

Pai. De jeito nenhum.

Mãe: Não mesmo.

Pai: Não te ouço.

Mãe: Não te escuto.

Ronaldo: Mas vocês não conhecem a Rita. A Rita é linda, gata, sensual. Eu amo a Rita.

Mãe: Não! Não! Não quero mais ouvir! Nem me aparece com essa favelada na minha frente

Ronaldo: Favelada não. Ela tem menos condições financeiras.

Pai: Quem te ensinou a falar assim?

Ronaldo: Foi você, pai. Sempre quis que eu fosse politicamente correto.

Mãe: Exatamente por isso, meu filho. Você nasceu pra ser

Ronaldo: Macho!

Mãe: Heterossexual não! Heterossexual pra quê? O que você vai ganhar com isso nos dias de hoje?

Pai: E também, de qualquer forma, eu já espalhei para o pessoal da embaixada que meu filho é um representante das causas homossexuais.

Ronaldo: Pai! Você andou espalhando isso por quê?

Pai: Porque seu pai tá precisando ficar bem na fita, filho. E Nada melhor do que ter um filho representante das causas minoritárias. Nem tão minoritárias assim, mas...

Ronaldo: Então porque você não inventou que você mesmo era vi...

Pai: Homosse...

Ronaldo: Dane-se!

Mãe: Seu pai jamais iria fazer isso comigo.

Ronaldo: É. Mas comigo ele pode fazer?

Pai: É pra isso que existem os filhos.

Ronaldo: É melhor que vocês saibam que eu tenho a minha vida. E que eu não vou permitir que vocês dois a manipulem para seus próprios interesse. Aliás, o papai, eu entendo que para ele seja importante ter um filho...

Pai: Homossexual.

Ronaldo: Mas você, mamãe. O que isso te interessa?

Mãe: É a moda, meu filho. Sua mãe é uma mulher da moda. Conectada com as novas tendências. Eu não posso ficar pra trás. Não posso! Acabou de sair uma lei nos Estados Unidos aprovando o casamento homossexual. Olha que bom pra você.

Ronaldo: Eu já disse que eu não sou homossexual e eu vou me casar com a Rita.

Mãe: Não! Não! Essa não foi a educação que eu te dei.

Ronaldo: Ah, então foi por isso eu você me entupiu de bonecas, me vestia com saia e top e me proibia de jogar futebol.

Pai: Sua mãe é uma mulher de visão.[1]

Ronaldo: E você, pai? Porque tava marcando o Pitangui pra mim? Por acaso quer que eu troque de sexo? É isso.

Pai: Imagina, filho. Não é trocar de sexo.

Ronaldo: Ah, bom.

Pai: É cirurgia de redesignação sexual. Uma coisa rápida que você não vai nem perceber.

Ronaldo: Vocês são doentes, isso sim. Completamente doentes. E sabe o que acho, mamãe? Que você tem medo é de ver seu filhinho nos braços de outra mulher.

Mãe (chorando): É verdade, é verdade. Eu não vou suportar ver o meu bebê sendo levado por alguma lambisgoia. Se fosse homem, meu filho, ia ser mais fácil pra mamãe.

Ronaldo: Me esqueçam! Me esqueçam!!! Eu tenho nojo de vocês. Sabe quando eu vou ser o que vocês querem? NUNCA!

(nesse momento chega Rita. Na verdade um homem vestido de mulher bonita e gostosa)

Rita: Com licença.

Ronaldo: Rita, meu amor (vai abraçá-La e fala baixo no ouvido dela) Cuidado com meus pais que são uns loucos. (para os pais) Mamãe, papai essa é Rita, a mulher com quem eu vou me casar.

(Grande silêncio. Os pais ficam paralisados)

Ronaldo: Eu sabia que vocês iam tratar a gente assim. Dane-se. Vamos, meu amor. Deixa esses malucos pra lá.

Rita: Ah, só que eu queria falar uma coisinha. É que ante de entrar eu ouvi um papo de redesignação sexual, ai, adorei o termo. Então, já que o Ro Ro não quer , pode ser pra mim?

(Espanto de todos)

FIM.




THE END

De Renata Mizrahi

Um casal no cinema. Já está no final do filme. Ela é cega, ele narra o filme baixinho para ela. Conforme ele fala, ela vai reagindo.

Voz do mocinho do filme: Venha comigo Claire, rápido.

Ele (narrando para ela): Eles estão fugindo. O Robert pegou na mão dela.

Voz da mocinha do filme: Ah!!!

Ela: Por que ela gritou?

Ele: Quase que ela caiu no precipício.

Ela: Ah, não!

Ele: Mas ele a segurou.

Ela: Qual a cor da roupa dela?

Ele: Vermelha.

Ela: Que lindo!

Ele: Agora eles estão correndo. Os nazistas estão atrás deles. Eles vão atirar

(barulhos de tiros)

Voz da mocinha do filme: Ah!!!

Ela: Ela morreu?

Ele: Não. Ela foi capturada.

Ela: Por quem?

Ele: Pelo nazista O capitão Hegel.

Voz do vilão do filme: Quero ver você se livrar de mim.

Voz do mocinho do filme: Larga ela. O seu problema é comigo.

Ela: O que ele tá fazendo?

Ele: Ele vai lutar.

Ela: Ah, meu Deus!

Ele: Ele pegou a sua espada.

Ela: Espada? E o nazista?

Ele: O nazista pegou sua arma.

Ela: E ela? O que ela tá fazendo?

Ele: Ela tá assustada.

Ela: Tadinha.

(barulhos de tiro)

Ela: O que tá acontecendo?

Ele: O capitão Hegel atirou em Robert.

Ela: Ah!

Ele: Mas ele desviou e o atingiu com a espada.

Ela: Ufa!

Ele: Agora ele... ele...

Ela: Ele o quê?

Ele: Ele matou o capitão Hegel com só um golpe.

Ela: Ai, que bom!

Ele: Tá desamarrando ela.

Ela: Ai, que bom!

Ele: Tá colocando-a em seu cavalo.

Ela: Ai, que bom!

Ele: E eles estão partindo.

Ela: Ai, que bom! Como é a paisagem? A paisagem?

Ele: É por do sol.

Ela: Uau! Eu adoro por do sol.

Ele: O cavalo corre com as montanhas austríacas atrás.

Ela: Que lindo. Aposto que o vestido vermelho dela está esvoaçando.

Ele: Está mesmo. É uma linda imagem.

(Ela suspira. Música de final de filme. O filme acaba. Tempo.)

Ela: Acabou, né? O filme acabou?

Ele: Não.

Ela: Não? Mas essa música...

Ele: Eles pararam de correr.

Ela: Pararam? Por quê?

Ele: Ele a levou para a sombra de uma árvore.

(Ele continua falando com ela como se o filme ainda estivesse passando)

Ela: Por que ele não diz nada? Nem ela?

Ele: É só a imagem mesmo.

Ela: Que pena...

Ele: Ele pega uma folha de papel e uma caneta...

Ela: Folha de papel e uma caneta? Da onde ele tirou uma folha de papel e uma caneta? Eles estavam fugindo no cavalo...

Ele: Ele está escrevendo algo para ela.

Ela: O quê?

Ele: Ele tá mostrando.

Ela: O que tá escrito?

Ele: Eu te amo.

Ela: Ah! Que lindo! Eu sabia...

Ele: Mas desculpa. Eu não posso ficar com você. Eu te amo mas não posso.

(silêncio)

Ele: Eu tentei. Tentei mesmo, mas não posso. Não posso. Não consigo. Você é linda. Mas... Desculpa.

(Ele vai embora. Ela fica sozinha. Silêncio.)

Ela: E o que ela faz?

(Silêncio)

Ela: Carlos?

(Silêncio)

Ela: Carlos?

(Silêncio. Ela entende que ele não está mais lá)

Ela: Ela chora?

(Ela chora)

FIM.

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Matéria

Venda Porta a Porta: tradição que ganha impulso com a recuperação da economia.
Jornal O Globo – Economia – 21/02/2010


UM HOMEM BOM

DE RENATA MIZRAHI

Personagens: o homem e a senhora

Uma senhora, bem velhinha bate na porta de um homem executivo estressado

Homem: Pois não?

Senhora: Boa tarde.

Homem (sempre com pressa e sem paciência): Boa tarde.

(silencio)

Homem: A senhora deseja alguma coisa?

Senhora (ri) : Ah! É verdade. Eu vim pra isso. Minha cabeça, sabe? Não é mais a mesma. Ontem mesmo , eu tava andando na pracinha...

Homem: Me desculpe, é que eu to com um pouco de pressa. O que a senhora quer?

Senhora: Ah! Claro, claro. Imagina que eu já tinha me esquecido. Como eu tava dizendo, eu não ando com a cabeça muito boa. Ontem mesmo eu tava andando na pracinha...

Homem: Olha, minha senhora, eu sinto muito, mas eu na vou poder conversar...

Senhora: Pois é, eu adoro conversar, sabe. Falar sobre a vida, as mocinhas. Ontem mesmo, eu tava andando na pracinha...

Homem: Então, minha senhora. É exatamente isso que eu não posso fazer. Eu tô muito ocupado...

Senhora: Isso mesmo, ocupado. Tá todo mundo sempre ocupado. Ontem mesmo eu tava andando na pracinha...

Homem: Por favor, senhora, por favor.

Senhora: Ah, por favor, não me chame de senhora. Nós já temos intimidade suficiente pra você me chamar de Martinha.

Homem: Olha, minha senhora...

Senhora: Martinha.

Homem: Martinha, o que for. Infelizmente eu vou ter que fechar a porta.

Senhora: Também acho, meu filho, também acho.

Homem: A senhora acha o quê?

Senhora: A vida. Não tá certo não. A vida tá fechando a porta. Olha, ontem mesmo eu fui comprar umas flores lá na feira que fica perto da pracinha, aliás, como a feira deu uma piorada, não é não meu, filho, eu sempre vou lá e...

Homem: Deus, dai-me paciência.

Senhora: Mas foi isso mesmo que eu falei: Deus, dai-me paciência. Porque as pessoas andam muito estressadas. Isso não ta bom não. Isso não ta bom não.

Homem: Isso não ta bom .

Senhora: Não ta bom.

Homem: Dona Martinha...

Senhora (ri): Imagina. Dona. Eu não sou dona de nada não. Eu era uma mulher muito classuda...

Homem: Martinha. Olha. Eu teria o maior prazer em passar horas do meu dia conversando , sabendo sobre a sua vida, mas não vai dá. Eu já to bem atrasado para o trabalho.

Senhora: Essa juventude trabalha demais. Não pode. Assim como é que você vai conhecer uma mocinha ?

Homem: Pois é. Eu preciso trabalhar muito pra comprar...

Senhora: Ah. Por falar em comprar, você não gostaria de comprar o paninho de prato que eu tô vendendo? Que cabeça a minha, eu já ia esquecer de te mostrar. Afinal foi pra isso que e vim.

Homem: Ah, então foi pra isso que a senhora veio?

Senhora: Eu tenho aqui coloridos, que acho que o você devia comprar. Pra dar uma colorida na vida, sabe? A minha comadre me disse que depois que ela pintou a parede de verde, a vida dela melhorou que foi uma beleza. É que o filho mais velho...

Homem: Eu compro tudo. Eu compro tudo. Quanto é?

Senhora: Vai comprar tudo. (ri) Mas que maravilha. Olha, cada um custa cinco reais, sabe como é, trabalho feito a mão.

Homem: Faz um seguinte. Toma aqui. (dá um anota grande de dinheiro na mão dela.) E pode ficar com troco.

Senhora: Mais que rapaz simpático. Ta aí. Um homem bom. Um homem bom. Deus abençoe , meu filho. Deus vai te dar tudo o que você quiser.

Homem: Obrigado, obrigado. Agora com licença, a senhora já vendeu, eu já comprei, eu vou precisar ir.

Senhora: Posso te fazer uma ultima perguntinha?

Homem: Faz.

Senhora: Será que eu posso ficar aqui?

Homem: Com licença.

(Ele fecha a porta. Ela vai embora )

Passagem de tempo. Dia seguinte.

A senhora volta no mesmo horário na casa do homem e toca a campainha. Ele atende.

Homem: Dona Martinha.

Senhora: Ih. O senhor adivinhou meu nome.

Homem: A senhora esteve aqui ontem. Esqueceu?

(tempo)

Senhora: Eu estive aqui ontem?

Homem: Esteve. Nesse mesmo horário em que eu estou atrasado para o trabalho..

(tempo)

Senhora: Ih! Me desculpe, meu filho. Eu não esqueci não, não esqueci não... Otávio?

Homem: Oi?

Senhora: Seu nome é Otávio?

Homem: Não, meu nome é Daniel.

Senhora (olhando bem pra ele): É verdade. Você não tem nada a ver com o Otávio. Otávio é meu filho. Você como se chama?

Homem: Eu acabei de falar, meu nome é Daniel. Mas infelizmente, hoje eu não vou poder conversar com a senhora...

Senhora: Daniel é o seu nome? Nome bonito.Muito bonito. Ontem mesmo, eu tava andando na pracinha...

Homem: Dona Martinha. Eu já comprei com a senhora.

Senhora: Você já comprou?

Homem: Ontem.

Senhora: Ontem?

Homem: Ontem.

(tempo)

Senhora: Ah, é verdade. Agora eu lembrado bem do senhor. É o homem bom.

Homem: Pois é, então, já que a senhora lembrou, com licença que hoje o dia ta cheio.

Senhora: O senhor não quer comprar de novo?

Homem: Ah, meu Deus. O que a senhora ta vendendo hoje?

Senhora: Eu tenho aqui uns paninhos de prato...

Homem: Mais paninho de prato? Eu comprei tudo ontem.

Senhora: Por falar nisso, ontem eu tava andando na pracinha...

Homem: Ta,ta, eu compro.

(a senhora abre a bolsa e não vê os paninhos)

Senhora: Engraçado...

Homem: A senhora...

Senhora: Não precisa de me chamar de senhora. Nós já temos intimidade pra isso.

Homem: Martinha. Você esqueceu que em vendeu todos os seus paninhos de pratos pra mim?

Senhora: É verdade. É o homem bom. Então me desculpa. Qual é o seu nome mesmo?

Homem: Daniel.

Senhora: Daniel. Daniel, sabe que ontem eu tava andando na pracinha e...

Homem: Olha, Martinha, não vai dá pra ouvir, eu tenho que ir.

Senhora: Será que eu poderia ficar aqui...

Homem: Passar bem.

(Ele fecha a porta e ela vai embora)

No dia seguinte, mesma hora. A senhora volta e toca a campainha. O homem atende.

Homem: Oi dona Martinha, eu sabia que era você.

Senhora: Ah, o rapaz já me conhece?

Homem: Conheço. Conheço. Conheço bem.

Senhora: Que bom. Ontem mesmo eu tava andando na pracinha...

Homem: Hoje eu também não posso conversar.

Senhora: Otavio?

Homem: Não! Otavio é o seu filho.

Senhora: Você conhece meu filho?

Homem: Não, eu não conheço o Otavio.

Senhora: Ele já morreu

(tempo)

Homem: Desculpe

Senhora: Por quê?

Homem: Eu não sabia que seu filho tinha morrido.

Senhora: O meu filho morreu?

Homem: Ué, a senhora não disse que o Otávio...

Senhora: Otavio é meu marido. Ele já morreu.

Homem: E o seu filho?

Senhora: Também.

Homem: Também morreu?

Senhora: Também se chama Otavio.

Homem: Bom, olha. Eu preciso fechar...

Senhora: O senhor quer comprar uns paninhos de pratos?

Homem: A senhora já vendeu pra mim.

Senhora: Já vendi?

Homem: A senhora com certeza não lembra. Mas já vendeu, anteontem. Eu comprei tudo.

Senhora: Comprou tudo? É um homem bom. Será que eu posso ficar aqui...

Homem: Obrigado. Passar bem

(fecha a porta. Dessa vez ela continua em frente a porta. O homem abre a porta de novo)

Homem: Dona martinha. Ainda não foi embora?

Senhora: O rapaz me conhece?

Homem (quase chorando): Dona Martinha, a senhora sabe onde fica a sua casa?

Senhora: Claro. Eu moro com o ... com o...

Homem: Otávio.

Senhora: O Otávio já morreu.

Homem: Estou falando dos seu filho. O filho Otavio.

Senhora: O meu filho ... O senhor sabe pra onde ele foi?

Homem: A senhora não mora com ele?

Senhora: Com meu filho?

Homem: O seu filho.

Senhora: Eu morei com o Otavio.

Homem: Vamos facilitar. Onde e que a senhora mora?

(tempo)

Senhora (aponta): Eu acho que é pra lá.

Homem: Acha?

Senhora: Meu filho!

Homem; Eu não sou seu filho.

Senhora: Otávio!

Homem: Eu não o Otávio. Eu sou o Daniel.

Senhora: Eu sempre quis te reencontrar. Tá tão bonitão.

(Ela da um forte abraço nele. Tempo. Pela primeira vez ele se sente tocado)

Senhora: Eu te amo muito meu filho. Nunca mais vai embora assim.

(tempo)

Senhora: Será que eu posso ficar aqui?

(tempo)

Homem (sem forças): Pode.

Senhora: Eu to te atrapalhando, meu filho?

(tempo)

Homem: Não.

(eles vão entrando)

Senhora: Eu fiz uns paninhos de prato pra vender, sabe? E um homem muito bom. Muito bom, comprou tudo. Ele me lembra muito você, Otávio. Mas olha aqui. O homem bom não sabe. Eu separei um paninho pra você. Esse eu não vendo . Esse é seu. É o nosso segredo. (ela entrega pra ele)

(Homem respira fundo e pega)

Senhora: Mas você também parece ser um homem muito bom. Muito bom.

Homem (emocionado): Obrigado. A senhora é muito bonitinha. Martinha.

Senhora (ri): Eu to muito feliz de ta aqui com você. Posso te contar uma coisa?

Homem: Pode.

Senhora: Ontem mesmo. Eu tava andando na pracinha e... (ela pára. Tempo)

Homem (pela primeira vez bem curioso): E.?

Senhora: E...

(tempo)

Senhora: Esqueci.

FIM